Palavra de mulher

PALAVRA DE MULHER - POR ANITA FERNANDES

E chegou então a esperada noite, preta como a roupa que eu vestia. Encontrei Helena, de preto e verniz, que apertava o roteiro branco com as mãos de unhas escuras. Entramos no conhecido porão, cenário de tantas noites bem vividas e mal dormidas, agora com sua pista coberta por mesas. A iluminação ora colorida estava sugestiva, permeada pro vermelho e velas.

Marilda já estava acomodada em uma mesa perto do palco. Loira, clara, concreta. Logo veio o vinho e meus sentidos já se entregaram à taça tinta, entre goles e risadas fui esquecendo o que significava o caderno colorido cheio de papéis na mesa a minha frente, onde eu havia acomodado o roteiro da noite.

O lugar, então cheio de ruídos e risadas, calou-se quando Brenda anunciou que era hora das mulheres darem sua palavra. Helena e Marilda subiram ao palco e suas palavras começaram a deslizar pela noite. Helena me chama e de súbito meu estômago lembra o que estávamos fazendo ali.

Do palco, vi uma porção de rostos bem definidos, que logo se tornaram um borrão cor de carne. Senti a firmeza das pernas abandonar-me e amaldiçoei o vinho, a minha memória, a minha pele branca que denunciava o rubro. Disse as belas palavras de Helena que trazia anotadas no caderno, sentindo cada uma passar vagarosamente pelos meus lábios, quase com vontade de mordê-las. Pela minha cabeça rodavam imagens, inquietações, palavras. 

Em 30 segundos acabei a fala de 5 horas. Sorri firme, como se estivesse andando sobre a água e abandonei o palco com todas as suas luzes inquisitivas.

Sentei atordoada e apanhei minha taça de vinho, bendizendo a bebida que era quase uma carícia para meu corpo rígido. Entreguei-me às palavras de Marilda e Helena, que continuavam a destilar suas almas pela platéia. Helena era uma interrogação desenhada em nanquim, Marilda era uma exclamação vermelha em letra de imprensa.

Voltei ao palco para falar da natureza morta, sorrindo para as poetas que estavam ao meu lado, um tanto quanto mais firme. Mas não conseguia soltar o caderno, meus olhos estavam presos às palavras impressas. Lendo, não pude fazer outra coisa a não ser passar o olhar rapidamente pelos presentes, enquanto contava a triste saga do pássaro e sua gaiola. Era eu aquele pássaro.

Segurei o cigarro entre os dedos trêmulos e voltei ao meu lugar, para depois voltar ao palco pela terceira vez. Dividi o microfone com Helena e foi olhando para ela que descobri o quanto fazia sentido a história que contávamos. Lembrei das fachadas antigas desta cidade, das janelas que parecem olhos observando as ruas, de todos os quintais que deixei para trás nas minhas mudanças. Como personagem, migrei para minha mesa para ver a palavra final das mulheres. Sopravam pétalas e cuspiam espinhos sob aplausos extasiados.

A noite prosseguiu com seus muitos amantes ao microfone, ora sussurrando vida ora gritando morte. Tem palavra divina, palavra bíblica, palavra de escoteiro, palavra de honra, palavra de lingüista, mas dou minha palavra de mulher que vi os sentimentos mais humanos em todos os olhares que nos cercavam. Todo o lugar era então uma vitrine do abstrato, em cada par de olhos eu via os sentimentos clássicos, os comuns, os indecifráveis. Tropecei nas palavras e caí na risada, bebi vinho e senti na boca um gosto de vida crua.

Quando saímos para o vento gélido da madrugada, o comentário: “E não tiramos nem uma foto, hein?” “Tiramos agora?” Ah! Agora, que meu olhar virou um borrão e meus dentes estão tintos? Agora, que estou com esses olhos delatores? Agora, que não posso mais nem dizer xis? Giz!

(Marilda Confortin e Helena Sut percorrem os labirintos da alma feminina e se encontram num espelho de palavras. Palavra de Mulher foi apresentado no Porão Loquax - Wonka - no dia 16 de outubro.)



Poetrix Pôr do Sol


Pôr do sol

 
Melhor filme de todos os tempos.
É de graça, passa diariamente
e tem gente quem nunca assistiu.

(Tirei essa foto lá na Ilha do Mel)
Acordei com um poema do Manoel Bandeira na cabeça....

ANDORINHA

Andorinha lá fora está dizendo:
- "passei o dia à toa, à toa!"
Andorinha, andorinha, minha cantiga é mais triste"
Passei a vida à toa, à toa...

Danilo Avelleda espetáculos teatrais e Cia Máscaras de Teatro apresentam:


Peça dramática com texto de Helena Sut e Danilo Avelleda
e poemas de Marilda Confortin


A porta estava entreaberta, resolvi entrar.... 

Leia a resenha de Anita Fernandes

A porta estava entreaberta, resolvi entrar...”. O comentário espirituoso de um dos expectadores dá início à longa jornada pelo pequeno corredor que leva ao palco. Embebida pelas palavras inconfundíveis de Helena Sut e Marilda Confortin, a platéia acompanha os temores, virtudes e segredos de Dionísio e Pilar.

O cenário é simples e cheio de elementos significativos. Um banco, um envelope lacrado, um livro. Uma árvore sombria cheia de galhos nus que se estendem em direção ao infinito como mãos gélidas de dedos entreabertos suplicando um convite. Conta-me tudo, não me esconda nada. O véu em volta do palco dá uma sensação etérea, quase sonhadora, como se os atores e sua história estivessem na fantasia dos olhos de quem os observa. Uma mulher de passos lentos andando ao seu redor, como quem representa o espectro do desejo não realizado a atormentar todas as almas que respiram.

Sob as luzes de todas as estações, Dionísio e Pilar começam a despir suas fantasias. Pilar revela seu desejo de viver sem traços marcados. Dionísio conta com dor e culpa a morte de sua amada Alma, seu eterno fantasma preferido. Ambos com a dificuldade de ter o corpo nas mãos sem poder segurar a alma, “não me deixe morrer”.

No amor puro de erotismo sutil do casal saltam figuras já muito conhecidas do íntimo de cada um. A angústia, a esperança, a alegria de entristecer em lugares bonitos. O ódio dos planos amorosamente formados e frustrados. O medo e o desejo dolorido de amar, de ser amado. A verdade tão bem escondida em um segredo que nem seu fiel guardião pode ver.

O perfeito casamento do texto de Helena Sut e Danilo Avelleda com os sedutores poemas de Marilda Confortin provoca as ilusões que existem dentro de cada um, levando às mais diversas reflexões e emoções. O mundo é feito de pilares onde Dionísios se entrelaçam. A vida está cheia de alma.

Estamos designados a andar pela vida lançando olhares furtivos às portas entreabertas. Entramos em algumas, encontrando vultos, vozes, luzes, sombras, amores; passamos direto por outras, a necessidade de continuar andando fala mais alto em nossas cabeças. Procuramos nessas portas os desejos mais profundos, que não podemos alcançar. Estamos condenados a mais doce das condenações: fantasiar.

No fim do espetáculo, quando a platéia deixa o teatro ruidosamente, o véu no placo balança ao sabor de uma brisa, suas pontas entreabertas, como que convidando a entrar.


Anita Fernandes




Poesia Dia das mães


Ei você,
que está procurando um poema
que se pareça com sua mãe,
que não é nenhuma santa,
nem uma modelo de capa de revista,
que não é artista
nem grande cozinheira.

Você,
que tem uma mãe
que não é tão companheira,
que não te ama o tempo inteiro,
que não te perdoa sempre,
que não é lá uma brastemp.

Você,
que acha as poesias do dias das mães
"bonitinhas, mas não rima com a minha",
que não sabe o que fazer de almoço,
que adoraria fica dormindo,
como se fosse um domingo qualquer.

Você mulher,
que é mãe e não se identifica
com nenhuma dessas mensagens,
porque não é tão bonita,
nem tão forte,
nem tão divina
quanto as que vendem nos comerciais.

Ei, você!
Relaxa...
Os dias são todos iguais
e a maioria das mães
são normais,
assim como você e eu: mortais

Restrições




Temo pelas
entregas
quando ciúmes
imperam;
bons vinhos
ponderam
ir mais lento
às adegas.

Vilmar Daufenbach

OLHARES




Não me olhes
com esses olhos de melindres
pão de mordaça
farpa de ferpa
arame farpado
desconfiados
vesgos
um pra cada lado
não me olhes
com esses olhos findos
fundos
prometendo sois ao mundo
cuidado
eles traem
e atraem
suicidas
não me olhes
com esses olhos alheios
que procuram atalhos
e se recolhem em infâncias
lilázes
olhos que bóiam
na cerveja caipira
curiosos
furiosos
famintos
fumegantes
olhos que fogem
e tropeçam em esquinas
que me ensinam
onde meu fogo ocorre
olhos que me chovem
e me acendem
não me olhes com esses olhos
de ovo frito estrelado
decididamente
não me olhes
com esses olhos
de cigarro apagado

(CAFÉ CULTURA 06/12/04: Bia de Luna, Marilda, Altair, Juliana, Celita)
poema escrito a 5 mãos num bar numa daquelas noites infernais
A pontuação fica por conta do leitor
Coloque onde quiser
Onde fizer sentido
Se fizer

DISTÂNCIAS
Altair de Oliveira

Pudesse, eu seria doce
e, se desse, desde o começo
de sede, eu viesse cedo
relendo o seu endereço.

E fosse avesso do avesso,
azul do tanto que houvesse
gastasse um gesto de gesso
num beijo gosto de festa.

E nunca mais me esquecesse
feliz em todas as espécies...
Por mais que a vida nos perca
e a morte esperta nos pesque.

III FESTIVAL INTERNACIONAL DE POESIA EM GRANADA



Como divulguei anteriormente, fui convidada pelo comitê organizador do III Festival Internacional de Poesia de Granada, Nicarágua, para representar o Brasil nesse importante evento internacional. O convite foi enviado oficialmente ao Itamaraty, que contatou a mim e ao poeta Tiago de Mello. 
Nunca vi tanta sentada gente numa praça para ouvir poesia 


E lá fomos nós. Muitas oficinas, palestras, recitais em praças, escolas, universidades, embaixadas, centros de cultura, entrevistas e visitas a lugares que nunca imaginei ir, como por exemplo ao Vulcão Masaya e surpresas inesquecíveis como conhecer Padre Ernesto Cardenal e Gioconda Belli, as duas figuras mais polêmicas da Nicarágua. 


Alguns bom momentos retratados em foto, abaixo

http://Carnaval acompanhando os poetas nas ruas de Granada


Centenas de pessoas nas ruas. Em cada esquina de Granada, um poeta subia no "poeta-móvel", falava de seu país e recitava pelo menos uma poesia. Por todos os lugares existiam banners com boas vindas e a frase que dizia ¡VIVA LA POESÍA!



Tive meu momento de gloria no poeta-móvel e falei por todos os poetas brasileiros

E TOMEI UNS TRAGOS COM ERNESTO CARDENAL,


E POSEI PARA A FOTO COM UM BÊBADO DA RUA,


E CONHECI GIOCONDA BELLI,


E FIZ RODA DE LEITURA COM THIAGO DE MELLO,

E MAIS DE 200 POETAS DE TODOS OS CONTINENTES,


QUE ASSIM COMO EU E VOCÊ,
TEMOS UM VULCÃO ATIVO DENTRO DO PEITO,
PRONTO PARA EXPLODIR A QUALQUER MOMENTO,
COMO TANTOS VULCÕES QUE EXISTEM NA NICARÁGUA
E NO CORAÇÃO DOS POETAS.

VULCÃO MASAYA

Meu coração
se viu pela primeira vez
no espelho

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VIVA LA POESÍA!

Elisa Lucinda



[...] Sempre quis um amor que coubesse no que me disse. Sempre quis uma meninice entre menino e senhor, uma cachorrice onde tanto pudesse a sem-vergonhice do macho quanto a sabedoria do sabedor.
Sempre quis um amor cujo BOM DIA morasse na eternidade de encadear os tempos: passado presente futuro, coisa da mesma embocadura, sabor da mesma golada. Sempre quis um amor de goleadas, cuja rede, complexado pano de fundo dos seres, não assustasse.
Sempre quis um amor que não se incomodasse quando a poesia, da cama me levasse. Sempre quis uma amor que não se chateasse diante das diferenças.
Agora, diante da encomenda, metade de mim rasga afoita o embrulho e a outra metade é o futuro de saber, o segredo que enrola o laço, é observar o desenho do invólucro e compará-lo com a calma da alma, seu conteúdo. Contudo, sempre quis um amor que me coubesse no futuro e me alternasse em menina e adulto, que ora eu fosse o fácil, o sério e ora um doce mistério, que ora eu fosse medo-asneira e ora eu fosse brincadeira ultra-sonografia do furor [...]. Trecho do poema DA CHEGADA DO AMOR - de Elisa Lucinda