Pérolas do Poetrix


PÉROLAS

Doa-se

coração adestrado
com pedigree, vacinado
só não obedece ao dono
(Lilian Maial)

L-i-m-í-t-r-o-f-e

um que em mim
muito mal localizado
entre o fundo do poço e o olho do tornado
(Aila Magalhães)

Bumerangue

eu voto
tu votas
eles voltam
(Angela Bretas)

Cordeiro da deusa

sob o cutelo
ofereço meu corpo aos teus desejos
- tira o pecado do mundo!
(Goulart Gomes)

Poetrix


Postar nosso lixo eletrônico na internet
pode salvar árvores.
Mas, quem nos salvará do lixo eletrônico?

COMÉ QUE FICA MEU PREJUÍZO?


(Da série: “histórias secretas de amigos e inimigos” – por Marilda Confortin, com a co-autoria e cumplicidade dos personagens principais)


Encostados no balcão da lanchonete da rodoferroviária de Curitiba, os dois amigos tomavam café da manhã. Trabalhavam na redondeza e se divertiam ouvindo trechos de conversas de pessoas desconhecidas que passavam pela estação. Quando o ônibus partia, se alguma mulher olhasse pela janela, os dois acenavam, jogavam beijos para a estranha e não raramente faziam gestos obscenos ou gritavam frases como: “- Não me abandone, meu amor! Volte para nossos filhos! Por favor não se vá” ou ´pior “ Vai... vai embora sua piranha! Cadela sem vergonha! Vai viver com seu amante, vagabunda!”.

A infeliz fechava a janela constrangida enquanto os outros passageiros abriam a janela para ver e ouvir o que eles gritavam.  

Outra diversão dos dois amigos era inventar diálogos a partir de uma frase que ouviam nas despedidas, colocando-a num contexto que não tinha nada a ver com a conversa.
 
Naquele dia, por exemplo, uma senhora cuja saia farta e florida entrava incomodamente nas nádegas também fartas, embarcou no ônibus da Reunidas e despediu-se de um homem mais jovem, dizendo “... e faça o que eu mandei!”. Um deles pegou daí e emendou: “Pode deixar, sua velha desgraçada. Vou encher sua filha de porrada”. E o outro complementou: “Ai benzinho, bate mais, assim, isso, mais, mais, gosotosão!”  

O viajante encostado no balcão da lanchonete, esperando um misto frio e um pingado, olhou para os dois marmanjos e balançou a cabeça, inconformado com aquela brincadeira de mau gosto.  

O lanche do viajante chegou. O sujeito deu uma mordida, mastigou, fez uma expressão de quem está experimentando um sabor inesperado e olhou intrigado para o sanduíche.  Tomou um gole do pingado, deu uma abocanhada maior, mastigou, mastigou, franziu a testa, mordeu de novo, engoliu e olhou interrogativo para o lanche.  Repetiu isso várias vezes, até restar somente um terço do pão.

─  Moça, não tem queijo aqui nesse misto!

A garçonete pegou o resto do sanduíche que sobrou na mão dele, abriu-o e constatou que não tinha queijo. Mostrou para as outras moças. Cochichou no ouvido da amiga, dizendo que talvez o sujeito já tivesse comido todo o queijo. Uma delas cheirou o sanduíche e confirmou: “não tem cheiro de queijo”. A outra sugeriu dar uma fatia de queijo para o freguês ficar quieto.

─  Não quero uma fatia de queijo. Eu pedi um misto: pão, presunto e queijo. Entendeu?

A moça, tentando evitar discussões constrangedoras, lhe ofereceu mais um misto frio de graça.
 
─ Não quero outro! Quero o que pedi! Comé que fica meu prejuízo?

Sem saber o que fazer, a garçonete chamou o gerente, explicando a situação. Ele propôs descontar o valor da fatia de queijo. O passageiro descontente e indignado retrucou:  

─ Não quero desconto. Fui enganado. Quero saber comé que fica meu prejuízo! Você não entende?

O gerente tentou acalmá-lo propondo devolver todo o dinheiro que pagara pelo sanduíche.

─ Não quero dinheiro!  Você não entende? Você não pode me devolver o que nunca lhe emprestei. Você não pode me dar o que nunca teve. Você não pode desfazer o que nunca fez. Você não pode fazer nada.  Eu só quero saber comé que fica meu prejuízo?  

Os dois amigos pagaram a conta e voltaram para o trabalho calados. Aquele trecho de conversa ficou martelando em seus pensamentos como prego em suas carnes.   

Como é que fica meu prejuízo? Quem vai restituir o apetite depois de enganada a fome?  Como preencher a falta do que nunca existiu? Como explicar a presença da ausência?  Como cobrar uma dívida se não há devedor? O que dizer para alguém que passou dois terços da vida esperando encontrar sua “fatia de queijo” que nuca existiu?  Quem vai me ressarcir o tempo, o gosto, a vontade, o prazer, a fome? Quem? Como é que fica meu prejuízo?  Você me entende?

Entre uma planilha e outra...

MARIA MARILDA
Por Mara

ESSA MARIA QUE EU NEM SABIA
QUE ERA MARILDA,
QUE UM DIA POR CAUSA DE UMA PLANILHA,
QUE IRONIA,
ME ACOLHEU AO SEU LADO COM ALEGRIA.

O TEMPO PASSOU E EU  NEM SABIA,
QUE UM DIA SENTARIA COM ESSA MARIA
PRA OUVIR SUA POESIA.

Um abraço,
Mara

Mara, a pessoa mais séria da equipe. Poucas palavras e muito trabalho. Não frequentava os bares nem gostava das interferências poéticas que eu e Daniel fazíamos em pleno expediente, pra relaxar. Nunca imaginei ela escrevendo um poema para mim. Que baita surpresa. Que alegria, Mara. Obrigada.

Adega fechada

Já não vou às vinhas. Vou às favas. Vagem seca, Vago vaga, vadia, vã. Tens podado as vinhas? Brotam brotos? Cachos? Galhos? Uvas? Minha reserva acabou. Adega fechada, vindima falida, falo nada. Bons tempos aqueles de tira-gostos queijos, beijos, vinhos, rostos rimas. Ríamos muito, lembra?

Não vou dizer

Não vou te dizer
o que deves vestir
ou despir ao me encontrar.
Nem te contar
a que vim,
o que fui,
onde andei,
o que vi
ou que vinho
deves servir no jantar.
Não quero
que me sirvas
como um servo cego
serve ao seu rei nu.
Teu reino não me seduz.
Só quero que saibas
que hoje,
eu caibo no ponto final
de tua interrogação,
no ápice de tua descrença,
no momento exato
de nossa breve existência,
no espaço vazio
dessa noite pagã.
Hoje,
serei o silêncio
de tuas reticências,
a ausência
de palavras inúteis,
a omissão
das fúteis promessas
e o motivo da tua falta de pressa
em acordar,
amanhã.

Poesia NEPENTHE



ELE: Nem te sabia e já te queria.Todo dia eu te inventava. Feito artesão, te esculpia.
ELA: Me guardava. Me prometia-te,
ELE: Cheguei. Desentristeça. Teça.
ELA: Tecerei. Te serei... sinto frio...
ELE: Trago lã para te aquecer.
ELA: Só queria te esquecer...
ELE: Ainda choves?
ELA: Chovo. Mas me faltam raios e rimas.
ELE: Perdestes a chave, poesia?
ELA: Fiquei presa por dentro. Ando mal de repentes.
ELE: E se eu chegasse de repente?
ELA: Assim em pleno expediente?
ELE: Sim, de presente.
ELA: Com teu olhar de indigente?
ELE: Sim... rs. Tem uma coisinha pra dar?
ELA: Tenho. Nepenthes.
ELE: Então me dá.
ELA: Entre!
ELE: Serpente...

(MarildaConfortin)

Nepenthe: Bebida mágica, remédio contra a tristeza; Planta carnívora; Do grego ne=não, e penthos=dor