Após o baile - Tonicato Miranda

Após o baile, dormindo como a Tula Cubana
Tonicato Miranda 
(ler o poema ouvindo a música "El cuarto de Tula"


pronto
agora não sou mais
o homem triste

pronto
agora já tenho os sais
e os pés sem despiste

nem te conto
já posso bailar alegrias
rodopiar meus versos

diz ela: tonto
bêbado em plateia de gias
seus tristes em mim imersos

o ronco
do tambor e do amor
preso à saia da prenda

dizem: pronto
já podes provar todo sabor
fazer o real virar uma lenda

diz ela, te conto:
rodopias pelo salão da vida
mas não esqueças: ela é breve

pronto
agora peguei gosto pela lida
e me dizes não gasta a verve

tonto
como a Tula cubana pós folguedos
vai morrer dormindo após dançar

pronto
oito ou oitenta, a vida e seus brinquedos
morrerás feliz vendo minha saia a bailar

a bailar, a bailar, a bailar
pronto, sou mesmo um tonto
neste poema conto
sou o tonto bailarino a bailar
mesmo depois de morto o tonto
segue aos céus a bailar
a bailar, a bailar, a bailar.
Tonicato Miranda

Então, pedi para o Tonicato escrever um poema alegre. Um desafio, confesso. Ele é especialista em  ser triste. Mas, ele encontrou inspiração na música cubana "El cuarto de Tula",   uma das mais populares músicas do Buena Vista Social Club. 
Ficou muito bom esse poema, Tonicato. De tonto, você não tem nada. 

Personagens

o pânico que paira sobre a página branca
é meu
e tão somente

o pão que padece de calor quase desanda
é meu

ainda o homem por trás desta opaca cortina
e este que escreve
quase qual não me pertence

outro que ausente
faz tanto barulho e só a mim silente desatina

e ainda a musa que a tantos apetece
é minha, e a um toque
só de mim desaparece


FLÁVIO JACOBSEN

Poema pós Natal - de Tonicato Miranda


para Hamilton Alves
algumas reflexões pairam quais nuvens
sobre a cabeça, revoando meus marimbondos
estará a morte próxima, sentada na varanda
alguns dizem ser cedo quando ela vem nua
ainda não viraram estátua de largos lombos
não se eternizaram como nome de rua
a mim sobra a vontade de mudar de país
arrancar com as unhas minha própria raiz
carregando meu caule, galhos e folhas
para florescer em outro lugar muito longe
onde os homens sejam menos crueis
onde nada aumente seus soldos e papeis
lá onde o vôo do pássaro é apenas isto
um vôo de pássaro, nem alegre ou triste
apenas a interjeição do olhar e um: Viste?
a pergunta quase sussurro à companheira
ela, sentada ao lado, muda e prisioneira
dos mesmos jogos de emoções e espera
suave tarde de cobra coral, ali nada é a vera
até os marimbondos voam devagar e lentos
tudo se solta ao ar e há dois ventos
pairando as reflexões e as nuvens
Curitiba, 26/12/2010.
TM

Eu nunca acreditei em Papai Noel



Não lembro exatamente quantos anos eu tinha quando comecei a ouvir falar do tal do Papai Noel. Mas eu já tinha uns oito ou nove anos de idade e estava no terceiro ano primário, provavelmente, já que os dois primeiros anos estudei numa escolinha rural e lá nunca se ouvira falar desse personagem esquisito.

O fato é que, quando uma coleguinha da escola da cidade me perguntou o que o Papai Noel ia me trazer de presente de Natal, respondi que meu pai se chamava Francisco e não Noel. E naquele Natal não ganharíamos nada porque a seca matara toda a plantação e não tínhamos dinheiro para pagar pelos presentes.

Natais


Natais

Manada de animais devorando aves, 
peixes, porcos, eletrodomésticos, 
plásticos, plásticas, celulares, 
celuloses, celulites, panetones,
massas, passas; passas e mais passas...
Só não passa nossa fome.

VOLÚVEL


Tem hora, sou da paz.
Quero casa, casar,
morar num harém,
ser oásis, caça,
presa, amélia, amém.

Às vezes, creio em buraco negro,
camada de ozônio, câncer no seio,
falta de hormônio, aids, escorbuto,
mundo corrupto, degelo, desgraça,
apocalipse... Vixe!

Noutras, acho graça
do que disse.
Quero viver mais cem anos
curtir a velhice,
fazer planos,
artes plásticas,
ginástica,
poesia, música,
teatro, cinema,
amor...
Ontem te amei.
Hoje, não sei.

Poesia Sem medidas

SEM MEDIDAS

Quem mediu o dia
não nos conhecia,
nem sabia nada
sobre nosso amor.

Se soubesse,
não se atreveria
a findar o dia
ao amanhecer.

Hoje
vai ter tantas horas
que, quem sabe, agora
já seja amanhã.
No entanto,
para nós,
é tão cedo ainda;
é ainda ontem;
ainda é dia,
nem anoiteceu.

Nosso amor ninguém mensura.
Dura enquanto o tempo para.
Para enquanto lua.
Lua enquanto há mar.


Um sax na noite - de Tonicato Miranda



 o blues é muito lento
meu coração vai ao vento
a mão vai apagando luzes
de todos estes abajures

noite cinza sem chuva
aqui mastigo uma uva
penso em você, louca
esta é minha voz rouca
a palavra que não disse
o pássaro e seu despiste
pedindo ou não outro bico
para beijar, mas não fico

ou fico com o outro bico
do pássaro mais que rico
É John Coltrane a invadir
a esgarçar o meu sorrir

mas este é um riso triste
neste riso que resiste
ao piano, ao sax poético
do negro mais que estético
deus de ébano e do som
falando ao meu ouvido bom

mesmo triste vou “a te”
o sax me insiste em você
a música lenta é tão doída
é minha vontade, toda roída
tristeza jogada como folha
solta da sacada como bolha
nada mais que bola de sabão
espuma solta do meu coração

Curitiba, 5/10/2010.
Tonicato Miranda

Poesia Arrepio

Foi tardio aquele medo,
aquele arrepio
que percorreu minha espinha
e aquele suor frio
que escorreu pelo braço.

Na garganta um “que é que eu faço?”
engasgou, saiu resmungo,
ninguém neste mundo
poderia entender.

Tardia também saiu tua voz
quando entre nós
só havia nudez.

E uma vez feito,
nada arrancava do peito
aquele vão.

Nem tua mão leve,
nem o tom breve
e macio de falar:
 - Quão tardio foi amar.

Poesia Dia após dia


Vão-se os dias,
cheios de compromissos.
Dois seios omissos
secam em desuso,
sob a blusa.

Vão-se noites vazias,
inundadas de insônia.
Em vão: estrelas, luas,
poesias, sonhos.

Esvai-se a vida
dissolvida
ao léu.

Se ao menos eu cresse em céu...

Mulheres cantam mulheres

MULHERES CANTAM MULHERES
COM ROSANA E ANA CLAUDIA
DIAS 6, 11, 12 E 13/11

Essas duas cantoras/compositoras, farão um show em homenagem às mulheres. No repertório, composições próprias e parcerias com outras compositoras, tais como: Alice Ruiz, Edinéia, Ethel, Mari Lopez, Yara e Marilda. 

Obrigada pela homenagem e pela parceria, Ro e Ana

O poema meu que elas musicaram foi esse: 

Antecipe-se

Antes,
que seja cedo
e o medo me excite.
Antes que eu hesite
e me negue,
seja breve,
me fascine
antes que seja tarde.

Antes,
que seja um erro
mais que um ledo engano.
Antes que eu faça planos
e desista,
insista,
me domine
antes que seja tarde.

Antes,
uma grande mentira
melhor que meias verdades.
Antes que eu perca a vaidade
e me iniba,
decida,
me intime
antes que seja tarde.

Prosa Ser poeta

Ser poeta

Dizem que dia 20 de outubro, é dia do poeta. 
Foi ontem. 
A poesia não me trouxe nenhum presente, nenhuma lembrança do passado. 
Nem apareceu. 
Devia estar ocupada com poetas maiores.
Recebi vários poemas de amigos e percebi que não fui a única a ser desprezada pela musa.
Na ânsia de homenageá-la, muitos dos seus súditos escreveram qualquer coisa, como estou fazendo agora. 
Nada espetacular. Nada de novo. Fazer o quê, né?
Poeta é mesmo um ser que não cabe em si.


Poesia Último almoço




Último almoço

(Quem vai pagar a conta
dessa falta de fome
que nos consome?)

Não há mais nada interessante
nas paredes do restaurante.
Os velhos marujos de gesso
nos conhecem pelo avesso.
A coleção de nós de corda de navios
combina com nossos laços frios.
As teclas do piano
desafinaram com os anos.

Nada mais nos desafia,
Não nos afinamos mais.

Somos um quadro antigo,
jogado às moscas,
num restaurante falido.

Não adianta disfarçar,
falando do tempo.
Não vai chover,
nem esquentar,
nem esfriar.

Não há mais tempo.

os bêbados amam de mais, Wojciechowski


Novo livro de poesia do Thadeu.
Vamo lá no Parangolé, tomá um goró com o polaco e garantir nosso gole de bom humor e cultura.
Data: Quinta-feira, 14 de outubro, 20h30min. (O Bar abre às 18h)
Local: Café Parangolé - Rua Benjamin Constant, 400, Centro, Curitiba.

-+-+-

um pedacinho do início do livro do polaco da Barreirinha


"Dia desses, andando no cu da madrugada,
tão bêbado, trôpego, triste e comovido,
que imaginei estar sofrendo na lombada
todas as dores deste mundo sem sentido.

O céu ía alto. Na rua, um asfalto de merda
ampliava os riscos de eu me esborrachar no chão,
mas, na hora, sem saber de nada disso, achei certa
a decisão de ir em frente e, quer queira ou não,

com bêbado não se discute, ainda mais quando
ele é você mesmo. Assim, nós, ou melhor, eu,
saí a procurar um bar aberto e, fumando,
já nem lembrava mais do que me aborreceu...."

Rádio Encontro


Gloria Kirinus, Marina Colasanti, Eleonora Fruet, Marilda Confortin, Roseana Murray

Postado por: DENISE TONIOLO no site Cidade do Conhecimento 
Fonte: SMCS

As escritoras Marina Colasanti, Gloria Kirinus, Marilda Confortin e Roseana Murray foram convidadas do Rádio Encontro, programação desta quarta-feira (6) no Encontro da Rede Municipal de Bibliotecas Escolares, no Centro de Convenções de Curitiba.

O Rádio Encontro é uma entrevista em formato de programa de rádio com auditório, que foi conduzida pelo radialista Sílvio de Tarso e acompanhada pela secretária Municipal da Educação, Eleonora Bonato Fruet.

O Encontro da Rede Municipal de Bibliotecas Escolares terminará nesta quinta-feira (7) e envolve 1.200 profissionais para incentivarem a prática da leitura e da escrita nas escolas e na comunidade.

"O contato com os autores é uma oportunidade para os profissionais enriquecerem o repertório e oferecerem o melhor da literatura para os 140 mil crianças e adolescentes da rede municipal de ensino", disse Eleonora.

A Rede Municipal de Bibliotecas Escolares de Curitiba foi criada em 2007 e é formada por 175 unidades, com acervo de aproximadamente 780 mil livros.

O crescimento da rede surpreendeu a escritora Marina Colasanti, ganhadora do Prêmio Jabuti deste ano na categoria Poesia. "Há algum tempo conheci o trabalho feito nos berçários das creches municipais e fiquei comovida, pois sabemos da importância da presença do livro na primeiríssima idade. Agora fiquei feliz em sabe da multiplicação dos pães, do crescimento de toda a rede", disse Marina.

Os investimentos da Prefeitura incluíram a construção, reforma ou ampliação de salas, compra de material e acervo e formação contínua de agentes de leitura.


PROGRAMAÇÃO DE QUINTA-FEIRA

Das 8h às 12h
Local: Centro de Convenções (rua Barão do Rio Branco, 370, Centro)
Apresentação: Nas Asas da Poesia, com João Bello, Susi Monte Serrat e grupo
Palestra: Poesia, Encantamento e Arte, com Marilda Confortin
Café na Feira: Dança Árabe, com Núbia Cabral, e contação de histórias, com Elisiany Chaves
Palestra: Ler ou Não Ler Shakespeare, Eis a Questão!, com Liana de Camargo Leão
Encerramento: O Forféu do Mundaréu, com o Grupo Mundaréu
Das 13h30 às 17h30 e das 18h30 às 22h30
Local: Centro de Capacitação da Secretaria Municipal da Educação (rua Dr. Faivre, 398)
MEU NOVO LIVRO DE POESIAS
Este livro é o resultado de um mandado de busca emitido contra os poemas que cometi nos últimos anos. Apreendidos e julgados, foram condenados a sairem do anonimato. 
à venda pelo site da editora:
http://www.protexto.com.br/livro.php?livro=317

e/ou no


Acervo Almon - Rua Saldanha Marinho, 459
Centro - Curitiba - PR
http://www.acervoalmon.com.br

ou solicite-me por email
marildaconfortin@yahoo.com.br

Preço: R$ 29,00



Palestar é preciso


E por falar em poesia...
Hoje estive num colégio estadual falando sobre poesia e prosa para um grupo de adolescentes do ensino médio. Estavam na semana cultural e podiam optar por vários tipos de assunto, como teatro, musica, esportes, pintura etc.
Fiquei surpresa quando vi mais de 20 alunos entrando livremente na sala, tanto pela manhã quanto à tarde, para ouvir poesia. O mundo ainda não está perdido, pensei.
Nos primeiros minutos, muito agitados, testando meus limites, fazendo questão de mostrar aquele ar de desinteressados natural dos adolescentes estampado no rosto sem espinhas (os tempos mudaram...).

Fui jogando iscas. Interpretando poesias e prosas curtas, observando as expressões até perceber que tipo de tema mais interessava àquele grupo. Estranho... Eles se aquietavam quando eu lia poemas de rebeldia, de dor, de desamor. E também quando a prosa (li algumas crônicas), utilizava palavras consideradas pedagogicamente incorretas, isto é, palavrões, gírias. Lancei mão desse tipo de linguagem para atraí-los. Depois foi fácil. Já estavam fisgados e ouviam tudo o que eu queria dizer. Até poemas de amor e ecologia.

Na próxima semana, falarei para 1200 professores. Agentes de leitura que trabalham nos  Faróis e Bibliotecas Escolares de Curitiba, uma rede de bibliotecas que ajudei a implantar. Estou apreensiva. Que tipo de assunto atrairá a atenção desses professores? O tema que me propuseram foi “Poesia Encantamento e Arte – Tecendo uma rede de leitores”. 

É engraçado... costumo recitar em bares, cafés, inaugurações, para um público adulto, heterogêneo, que nem imagina que vai tropeçar numa poesia. E faço naturalmente, sem me preocupar.  Mas, com para um  público de crianças, adolescentes ou professores fico deveras apreensiva... A figura do professor ainda me intimida.  Tenho a impressão que estão sempre tentando extrair minha raiz quadrada, fazendo a análise sintaxe do meu texto, procurando erros ortográficos no meu sujeito oculto...

Mas, vamos lá. Estarei em ótima companhia. Muitos outros escritores e artistas estarão tentando “encantar” esses professores durante os três dias do III Encontro da Rede de Bibliotecas Escolares de Curitiba, para que continuem motivados e interessados em tecer uma grande rede de leitores. O que será mais difícil para mim, será dizer "bom dia" e não "boa noite" como estou habituada

ESCRITORES CONVIDADOS

Adélia Woelner
Alexandre França
Glória kirinus
Liana Leão
Marilda Confortin
Marina Colasanti
Roseana Murray

TRÊS POETRIX

SÓ PRÁ NÃO PERDER A PRÁTICA


Mês(mice)

Mais um mês finda.
Dele, não bebi nenhuma taça
que valesse um só estalo de língua.

Oni(m)potência

Creio em Deus, mas
temo que Ele
seja ateu.

Olhar suicida

Fixo no vazio
entre morte e vida

um fio

La Mer - de Tonicato Pereira

La Mer 
para Jairo Pereira e Achille Claude Debussy

choro neste dia claro estas incontidas marinhas lágrimas
na ponta da pedra debruço-me em minhas vagas de mágoas
depois vou até os píncaros deste incandescente azul celeste
junto-me ao vôo do gavião e ao seu prestigioso bico agreste

Debussy e seus timbres marolam águas, marés indo e vindo
é La Mer no alto de mim, o céu daqui é este precipício lindo
vontade de me jogar céu abaixo, mar adentro, no olhar da raposa
para brilhar na água com o pó de ouro do poema de Cruz e Souza

mas não, Oh! Grilhões, por que me apertam como a um parafuso
meus pés presos ao chão estão, minha cara presa ao horário fuso
sou apenas a inveja dos pássaros no céu, das baleias no mar
dos acordes do músico a dedilhar notas em mim, soltas a farfalhar

preciso doar o ruído do vento ou a planície a quem passar manso
aquele que pingar sobre mim o amor ou a morte como descanso
preciso partir meu corpo em milhentos pedaços doando-o à minhoca
dá-me o penúltimo sorriso da flauta, para ir feliz a minha última toca

Curitiba, 25/08/2010
Tonicato Miranda

Poetrix na Bienal de São Paulo

Poetrixtas unidos jamais serão vencidos!

Antonio Carlos, Marília Baetas, Carmelita, José Walber, Vicente Cariri, Goulart Gomes, Regina Lyra, Rosa Pena, Marilda Confortin


Fiquei olhando aquela imensidão gente e de livros e por um momento duvidei do que dizem por aí: “O brasileiro não lê”. Se não lê, como é que publicam tantos livros? Porque existem tantas feiras? Se desse prejuízo, porque esse mercado estaria tão aquecido? As editoras não fazem caridade...

Os espíritos e os vampiros invadiram a Bienal. Com certeza, os livros mais vendidos foram o do Chico Xavier e os da série "Crepúsculo", de Stephenie Meyer. Outro tema muito explorado, foi a culinária.

Um estande que também atraiu  muita gente, foi o do livro digital. As crianças ficaram muito curiosas com os aparelhinhos de leitura digital. É o futuro.  

 Lilian Maial e eu


Goulart Gomes, pai do Poetrix, eu e Rosa Pena que lançou seu livro de crônicas Tarja Branca, uma leitura muito agradável.
Até que enfim conheci pessoalmente essa turma. Nossa amizade já dura uma década. Quem disse que não se faz amizades sinceras e duradouras nas Internet?

Nossas antologias foram lançadas com sucesso. Deixo aqui umas iscas do Poetrix. Se gostarem, eu tenho exemplares para a venda.

H2OMEM

Calor, frio, sede, fome.
Excesso e escassez.
Difícil o guri virar homem.
(Rosa Pena)

BABEL

no alto da torre
sob o céu, ela e eu:
mistura de línguas
(Goulart Gomes)

LAVADEIRA

esfrego o peito na pedra
coração pra quarar
tua marca não sai
(Lílian Maial)

VIDAS CRUZADAS

... e só tu caminhas
pelas curvas e linhas
da palma de minha mão
(ACM - Antonio Carlos Menezes)

PULMÃO DO MUNDO

eterna esperança
ah! Mundo bandido,
a Amazônia expirra
(Marília Baetas)

SECA

Na sede que me abafa
Procura intensa pelo líquido
O leito do rio sem água
(Regina Lyra)


NATUREZA MORTA

no oco do tronco decepado
uma arara ferida
choca um machado
(Marilda Confortin)

Tchello de Barros



Cálice de silêncio

Cálice de silêncio
 
matei minha saudade a grito
a soco
a pontapé
chute no saco
tacle no pescoço
pontaço no peito
sete tiros da cabeça ao pé
depois da chacina
já sem a gana assassina
chorei atrás da porta
de saudades da morta
mesmo sabendo que ia dar em nada
chorar sobre a lágrima derramada

Antonio Thadeu Wojciechowski

Maria e José


(Da série: “histórias secretas de amigos e inimigos” – por Marilda Confortin, com a co-autoria e cumplicidade das personagens)

- Oi. Você é São Caetano?
- Não. Sou Santa Maria e você?
- Atlético. Vai me dizer que você é Coxa Branca?
- Sou. Bem branquinha.
- Ah! Que merda. Então porque está com essa blusa azul-são-caetano?
- Não é azul-são-caetano. É verde-coxa, homem.
- Como teus olhos.... verdes e profundos como o mar.
- Não são verdes! São azuis. Você é daltônico?
- Não. Eu sou José. E você é...?
- Já falei, sou  Maria.
- Maria e José. Que romântico... To a fim de fazer uma arte contigo hoje, Maria. Você faz arte?
- Eu faço poesia, serve?
- Não era bem isso que eu tava pensando... sou engenheiro, não entendo nada de abstrato. Só de concreto.
- E eu sou poeta e não entendo nada de cantadas. 
- É...já vi. Pra quem você torce na primeira divisão?
- Torço pro resultado ser exato. De preferência igual a zero. Tenho pena do resto da divisão. Ninguém liga pro resto da divisão. Ninguém compreende uma dízima periódica... Não gosto de divisão nem subtração. Só de soma e multiplicação. 
- Eu to falando de futebol, sua loira burra!  Do campeonato paranaense. To falando de bola desenhando uma parábola no ar e procurando um par de pernas pra entrar. Gooool.
- Ah... Eu não entendo nada de futebol e a única parábola que conheço é a do filho pródigo. Porque raios você me abordou?
- Pra me livrar do cara chato que tava sentado aí do meu lado. Ele é um saco.
- Humm...  e precisava ser salvo pelo gongo...
- Isso! Por um lindo gongo azul.
- Tinha um gongo no meio do caminho. No meio do caminho tinha um gongo. Conhece esse poema?
- Era um gongo? Por isso nunca entendi esse poema. Pensei que era uma pedra. Você já escreveu alguma poesia?
- Sim. Várias. 
- Sério? E tem algum livro publicado?
- Mais de meia dúzia. Quer um?
- Você é uma escritora famosa? Agora fiquei nervoso. E quando fico nervoso preciso mijar. Não saia daqui! Nunca conheci uma poetisa viva...  Péra aí tá? Deve ser bem interessante... poetisa é? Essa é nova prá mim.
E ele foi mijar.
Bar da Brahma cheio. Minhas amigas na mesa, de mini-saia, pernas bronzeadas, lindas, solteiras loucas pra dar e nenhum cristo cantando elas. Eu, casada, cansada de brigar com o marido, de porre, com uma blusa emprestada, ridiculamente verde e um cara pedindo para eu esperar enquanto ele mijava. Pode?
Só quero ir pra minha caminha. Sozinha. Curar esse pilque...
- Esse cara tem barulho de trem na cabeça. - disse Cinthia, minha amiga.
- Tem mesmo, confirmou Celita - a dona da blusa verde-coxa que eu usava. Barulho de carroça vazia...
Chamei o garçon e pedi uma Skol.
- Não tem Skol aqui. Só Brahma - disse ele.
- Não gosto de Brahma. Me dá uma coca-cola.
O garçom ficou me olhando com aquela cara de ponto de interrogação, apontando pra  placa com o nome do bar e disse:
- Qualé, dona? Não percebeu onde a senhora está ?
- Não entendi. Onde estou?
Ele falou bem baixinho no meu ouvido “a senhora está no bar da Brahma”.
- É? E daí? É proibido beber neste bar? 
Indignado ele disse que só tinha Pepsi.
- Não gosto de Pepsi. Então me dá um guaraná Antártica. Preciso repor glicose.
O cara ficou mais puto ainda, me xingou de burra e não me trouxe nada.
Garçom bobo e mal criado. Eu lá quero saber quem fabrica o quê. Só quero beber, pô.
Foi quando o tal engenheiro voltou.
- Fez xixi? – perguntei.
- Homem não faz xixi. Homem mija, mulher. Mijo sai do pinto, caralho! Nossa senhora, que pernas!
- Pare de olhar pras pernas das minhas amigas, seu tarado!
- Tira os seus peitos do caminho que eu quero passar com a minha dor... lembra dessa música?
- Lembro. Do Nelson Cavaquinho, né? Mas não é peito. É sorriso. Vamos falar de engenharia, que é a tua praia. Eu gosto de teodolito e papel vegetal. E você?
- Teodolito?
- É divino. Nunca comeu? Teo é Deus? Um enorme Deus em forma de pirulito embrulhado numa folha de papel vegetal transparente. Papel vegetal não é a salada preferida dos engenheiros?
- Você é louca ou o quê!
- Sou o "quê".  E você é muito engraçado.
- Tá me chamando de palhaço? Sou engenheiro. E dos bons. Acha que não entendo nada de arte, é? Pois na última palestra, abri a apresentação com uma imagem da Pedra da Gávea para mostrar o que é uma obra prima divina. Sempre passo um pouco de poesia e cultura para essa piazada burra que sai da faculdade.
- Isso é bom. Eu também uso algumas metáforas nos cursos. Falei das Cidades Invisíveis, do Calvino e citei um poema do Leminski na última apresentação de Tecnologias que fiz.
- Eu já ouvi falar desse tal Calvino. E li o Catatau mas não entendi patativa nenhuma. Não gosto desse polaco.
- Eu gosto dele. Até tomei umas vodcas Majakowkj com ele. Era fabricação minha e de um amigo chamado Douglas. 
- Porra... Quem é você? Fabricava e tomava vodca com o Leminski?
- Tomei, e daí?
- Mas ele está morto! Você é fantasma por acaso? Uma alucinação alcólica?
- Calma. Ele estava vivo ainda. E eu estou estou viva também... acho. Se eu morrer amanhã você vai dizer que me conhecia e que eu era uma boa pessoa?  
- Não sei se você é boa. Ainda não te comi. Amanhã te digo. Tenho cara de tio?
- Tem. Por quê?
- Porque não sou mais tio. Hoje eu fiquei avô.
- Sério? Parabéns, vovô!
- Nasceu hoje de tarde. É uma coisinha tão feinha, uma bolinha murcha, enrugada, toda enroladinha...
- Que lindinha!  Você deve estar feliz com a netinha.
- To sim... to muito feliz... Vou ter que sustentar mais uma boca. Eu quero é pegar aquela bolinha de meia, enroladinha em cueiros e fazer embaixadinha com ela no corredor da maternidade e chutar pro gol. Gooooool! Já pensou? Uma bolinha viva saindo pela janela procurando um gol? Uma bola de gente, inteligente cantando "Atlético, Atlético! Conhecemos seu valor e a torcida rubro-negra..."
- Fanático. Pare com isso. É tua neta.
- É neto. Macho! Tem duas bolas. Eu tenho três filhas, uma mulher e uma sogra que mora comigo. Estou cheio de mulher. Não agüento mais mulher na minha vida. Elas não me deixam chutar a bolinha de gente. Dizem que vou quebrar os vidros do berçário.
- Três filhas, mulher, mora com a sogra e agora tem um neto... era só que me faltava. Você disse que era separado...
- E sou. Tô dormindo na sala. Desde ontem.
- Briguinha a toa. Dói um dia e depois passa.
- A única dor que sinto é nas costas. Tem uma mola solta no sofá...
- E você, tem um parafuso solto na cabeça. Por falar nisso, to com sono.
- Eu também. Vamos dormir?
- Vamos.
E fomos dormir. Literalmente. Cada um no sofá de sua própria sala.
O quê você esperava  de uma história de Maria e José que se passou num bar, com dois cinqüentões torrados, frustrados, infelizes, as quatro horas da madrugada em pleno século XXI numa cidade fria como Curitiba? 
Que nesse cruzamento inusitado nascesse um lindo jesuscristinho, que perdoasse todos os nossos pecados, curasse nosso porre e nos devolvesse o paraíso? 
Cai na real, Zé!
E foram infelizes para sempre
.

Poesia Origens

Origens

O que me faz escrever
é a vontade de recuperar
minhas vontades.

Eu queria que as palavras
pingassem como chuva,
regando as folhas de papel,
que um dia foram árvore.

Queria devolver a vida
às florestas abatidas.

Queria que meu pensamento
deslizasse livre como o vento,
sem escolher caminhos
nem pedir permissão
para se expressar.

Desaprender o pensar.

Abrir os olhos
e deixar o sol iluminar meus escuros,
germinar as sementes que plantei 
quando ainda não sabia o que sei.

Onde deixei minhas ganas?
Tanto investi em cultura
que perdi o instinto natural.

Era só deixar a natureza agir...

Usei adubo químico,
sementes hibridas, herbicidas.
Matei as pragas
e as esperanças também.

Eu só queria sentir agora
o gosto puro da amora
antes do pecado original.

Poesia Óleo sobre tela


Óleo sobre tela

Pouso meus olhos sobre telas de Van Gogh.
Deito-me ao lado do ceifador
e adormeço sobre feixes de trigo.

Cena familiar.

Cedo ao sonho.

Retrocedo à infância.

Vejo-me criança, pura
como a loucura do pintor.
Inerte, braços abertos,
no meio do trigal maduro,
fingindo-me espantalho.
Um gérmen ainda.
Nem sabia o que era poesia
e já sentia.

Os pássaros pensam
que meu cabelos brancos
são feixes de palha.
Espanto-os.

Da janela do sanatório
Van Gogh se espanta

e borra um corvo sobre o campo de trigo.

Acordo.
Kurosawa sonhou comigo?

Marilda Confortin



Poesia Dia insosso

Dia insosso

O dia amanheceu de mansinho
sem alarde,
como um passarinho
que acorda tarde.
Não deu um piu,
não se anunciou,
não fez frio
nem esquentou.

E foi passando assim
bem devagar
como se durasse uma eternidade.


Lá pelas dezessete
tomei um pingado
comi um chineque
que dia gozado...

A hora do Ângelus
passou sem trombetas
e no mesmo trilho
a noite veio,
preta, sem brilho.
Que dia mais feio.

O sono perdeu o trem das onze
quem sabe chegue de madrugada
já estou meio zonza
de tanto não fazer nada.

Poesia LA NEGRA

para Mercedes Sosa


Hoje acordei com saudades de ti
grande borboleta.

Lembrei de tuas asas pesadas
voando pelos caminhos escuros
das revoluções, opressões, ditaduras.

Tua voz na voz dos amordaçados,
teu colo acolhendo párias,
teu tambor fazendo árias no meu peito.

Voltei aos dezessete
e recuperei a lembrança
de um amor adolescente.
Que belo presente, Negra.

Agradeci à vida por ter te conhecido,
por ter vivido no mesmo período,
por me alertares sobre os perigos
das minas, das sinas, das chacinas.

Ninastes meus negritos, palomita...

Me ensinastes a amar Chico,
Milton, Violeta, Atahualpa...
Sinto tua falta.

Quando fraquejo, te ouço.

Desejo tua coragem,
tua luz, tua inteligência.
Te visito com frequência
em sonhos, sons, imagens.

Alojo-me em teus braços, miragem.

Aqueço-me em teus fartos lenços,

choro e oro
“ Solo le pido a Dios
que el dolor no me sea indiferente,
que la reseca muerte no me encuentre
vacía y sola sin haber hecho lo suficiente”.



"O mundo é tão bonito, e eu tenho tanta pena de morrer"
                                Vai, Saramago... vai juntar-se aos deuses