Após o baile - Tonicato Miranda

Após o baile, dormindo como a Tula Cubana
Tonicato Miranda 
(ler o poema ouvindo a música "El cuarto de Tula"


pronto
agora não sou mais
o homem triste

pronto
agora já tenho os sais
e os pés sem despiste

nem te conto
já posso bailar alegrias
rodopiar meus versos

diz ela: tonto
bêbado em plateia de gias
seus tristes em mim imersos

o ronco
do tambor e do amor
preso à saia da prenda

dizem: pronto
já podes provar todo sabor
fazer o real virar uma lenda

diz ela, te conto:
rodopias pelo salão da vida
mas não esqueças: ela é breve

pronto
agora peguei gosto pela lida
e me dizes não gasta a verve

tonto
como a Tula cubana pós folguedos
vai morrer dormindo após dançar

pronto
oito ou oitenta, a vida e seus brinquedos
morrerás feliz vendo minha saia a bailar

a bailar, a bailar, a bailar
pronto, sou mesmo um tonto
neste poema conto
sou o tonto bailarino a bailar
mesmo depois de morto o tonto
segue aos céus a bailar
a bailar, a bailar, a bailar.
Tonicato Miranda

Então, pedi para o Tonicato escrever um poema alegre. Um desafio, confesso. Ele é especialista em  ser triste. Mas, ele encontrou inspiração na música cubana "El cuarto de Tula",   uma das mais populares músicas do Buena Vista Social Club. 
Ficou muito bom esse poema, Tonicato. De tonto, você não tem nada. 

Personagens

o pânico que paira sobre a página branca
é meu
e tão somente

o pão que padece de calor quase desanda
é meu

ainda o homem por trás desta opaca cortina
e este que escreve
quase qual não me pertence

outro que ausente
faz tanto barulho e só a mim silente desatina

e ainda a musa que a tantos apetece
é minha, e a um toque
só de mim desaparece


FLÁVIO JACOBSEN

Poema pós Natal - de Tonicato Miranda


para Hamilton Alves
algumas reflexões pairam quais nuvens
sobre a cabeça, revoando meus marimbondos
estará a morte próxima, sentada na varanda
alguns dizem ser cedo quando ela vem nua
ainda não viraram estátua de largos lombos
não se eternizaram como nome de rua
a mim sobra a vontade de mudar de país
arrancar com as unhas minha própria raiz
carregando meu caule, galhos e folhas
para florescer em outro lugar muito longe
onde os homens sejam menos crueis
onde nada aumente seus soldos e papeis
lá onde o vôo do pássaro é apenas isto
um vôo de pássaro, nem alegre ou triste
apenas a interjeição do olhar e um: Viste?
a pergunta quase sussurro à companheira
ela, sentada ao lado, muda e prisioneira
dos mesmos jogos de emoções e espera
suave tarde de cobra coral, ali nada é a vera
até os marimbondos voam devagar e lentos
tudo se solta ao ar e há dois ventos
pairando as reflexões e as nuvens
Curitiba, 26/12/2010.
TM

Eu nunca acreditei em Papai Noel



Não lembro exatamente quantos anos eu tinha quando comecei a ouvir falar do tal do Papai Noel. Mas eu já tinha uns oito ou nove anos de idade e estava no terceiro ano primário, provavelmente, já que os dois primeiros anos estudei numa escolinha rural e lá nunca se ouvira falar desse personagem esquisito.

O fato é que, quando uma coleguinha da escola da cidade me perguntou o que o Papai Noel ia me trazer de presente de Natal, respondi que meu pai se chamava Francisco e não Noel. E naquele Natal não ganharíamos nada porque a seca matara toda a plantação e não tínhamos dinheiro para pagar pelos presentes.

Natais


Natais

Manada de animais devorando aves, 
peixes, porcos, eletrodomésticos, 
plásticos, plásticas, celulares, 
celuloses, celulites, panetones,
massas, passas; passas e mais passas...
Só não passa nossa fome.

VOLÚVEL


Tem hora, sou da paz.
Quero casa, casar,
morar num harém,
ser oásis, caça,
presa, amélia, amém.

Às vezes, creio em buraco negro,
camada de ozônio, câncer no seio,
falta de hormônio, aids, escorbuto,
mundo corrupto, degelo, desgraça,
apocalipse... Vixe!

Noutras, acho graça
do que disse.
Quero viver mais cem anos
curtir a velhice,
fazer planos,
artes plásticas,
ginástica,
poesia, música,
teatro, cinema,
amor...
Ontem te amei.
Hoje, não sei.