Eu nunca acreditei em Papai Noel



Não lembro exatamente quantos anos eu tinha quando comecei a ouvir falar do tal do Papai Noel. Mas eu já tinha uns oito ou nove anos de idade e estava no terceiro ano primário, provavelmente, já que os dois primeiros anos estudei numa escolinha rural e lá nunca se ouvira falar desse personagem esquisito.

O fato é que, quando uma coleguinha da escola da cidade me perguntou o que o Papai Noel ia me trazer de presente de Natal, respondi que meu pai se chamava Francisco e não Noel. E naquele Natal não ganharíamos nada porque a seca matara toda a plantação e não tínhamos dinheiro para pagar pelos presentes.


Ficamos sem assunto imediatamente. Nossas fantasias e realidades eram muito diferentes.

O Natal era comemorado sim, na minha família. Mas nunca se falava em Papai Noel. Falava-se no nascimento do Menino Jesus. Pra mim, o Natal sempre foi e continuará sendo, a grande festa de aniversário de Jesus, seja ele quem for.

Os enfeites de Natal eram muito criativos. Procurávamos pedras que se assemelhassem a carneirinhos, vacas e figuras humanas para fazer os personagens do Presépio, que ficava embaixo de um galho de araucária enfeitado com musgos coloridos e papéis de balas guardados durante todo o ano.

Pinhas, sementes coloridas, caixas de fósforo vazias, figurinhas recortadas de revistas e bolachas caseiras em formato de estrelas também eram penduradas no pinheirinho.

Não tínhamos o hábito da ceia na véspera. Na verdade, dormíamos muito cedo, para acordar mais cedo ainda e ser o primeiro a encontrar os presentes.

Nem sempre tinha presentes. E quando tinha, era um pra cada e não um monte como hoje.

Sabíamos muito bem, que quem comprava os presentes era nosso próprio pai. Só não sabíamos como é que o Menino Jesus conseguia entregar os presentes de todo mundo na mesma noite.  A mãe dizia que ele tinha um burrinho, com dois cestos de vime cheios de presentes que os pais compravam nas lojas da cidade. Os pais deixavam o endereço das crianças com o dono da loja e o Menino Jesus passava lá para pegar os pacotes e os nomes das crianças.  

Não ganhar presentes podia significar: Nosso pai não pode comprar nada naquele ano; O Menino Jesus não conseguiu entregar a tempo, ou ele deu o nosso presente pra uma criança que precisava mais. Pronto.

Era nisso que acreditávamos. Vestíamos a melhor roupa e íamos para a missa, felizes da vida porque de qualquer maneira o almoço do dia 25 era muito especial: Juntavam-se várias famílias, cada uma trazia um prato, doces, bebidas e passávamos a tarde todas comendo, cantando e brincando.

Quando a safra era boa, além dos presentes, comíamos churrasco de gado, porco assado, bolo confeitado, vinho, cerveja de barril e até refrigerante.

Quando dava muita chuva ou muita seca, não colhíamos nada e não ganhávamos presentes.  Mas o pior era o almoço do dia de Natal: Peru ou pato assados (aves grandes para alimentar mais pessoas), abóbora recheada com farofa de miúdos de frango caipira, cuca, suco de uva natural e para sobremesa, uma bandejona cheia de frutas colhidas na hora. Esse era o almoço pobre nos períodos de “vacas magras”...

Por que aquela garota tola da cidade queria que eu acreditasse em Papai Noel? E hoje, por que tentam nos convencer que peru com frutas é um prato especial de Natal?

Pra quê mentir, né?