OVERDOSE - de Claudia Muniz



Sentado à beira da rua dei um trago em minha vida.
Injetei-me no deleite de meu corpo e na sofreguidão de meus dias.
Contei com família, nenhuma.
Ri com os amigos que não tive.
Andei de mãos dadas pela praça, com a namorada que não tinha braços.
Li e estudei, tudo que ninguém jamais ouviu.
Cantei, dancei, vivi...
E fui para um mundo sem nome.
Lá havia letreiros onde era possível ler: "Olhe dentro de você"
E fui eu! Para dentro de mim.
Passei pela cabeça e ela estava confusa,
não deixava que meus olhos vissem,
 minha boca falasse e meus ouvidos escutassem.
Desisti.
Fui para o estômago e lá me diverti.
Havia muita "beer", com bolinhas efervescentes.
No pulmão, foi impossível, nada pude ver.
Quando estava lá, fui atingido pela neblina de Cubatão.
Já estava cansado, mas, por curiosidade, quis visitar o coração.
Não foi bom! Ele estava vazio, oco, vago...
E então senti que fortes alucinações me tomavam e com elas meu corpo se retorcia.
Morri!
E foi por "overdose" de mim mesmo.

Cláudia Muniz

Aposentadoria

Aposentar é sinônimo de alojar, abrigar, agasalhar, habitar, jubilar. Origina-se de aposento que por sua vez vem da poética palavra pouso. Com tantas interpretações mais agradáveis, porque é a palavra aposentadoria é usada para nos remeter ao triste ato de recolher-se inativamente aos aposentos? O que é que tem de errado com os aposentos de nossa casa? Quem disse que nossos aposentos não são tão bons quanto os dos nossos patrões? Mesmo simples e pequenos, construímos nossos humildes aposentos com muito amor e carinho. Porque não desfrutá-los?


Depois de mais de trinta anos de ausência, ocupando aposentos alheios, enfim vou exercer o direito e a satisfação de brincar de casinha.

Estou com muita vontade de pousar pousadamente em meus próprios aposentos e acarinhá-los, ajeitá-los, organizá-los.

Costurar calmamente os furos do meu pé-de-meia, pregar os botões para que habitem todas as casas das camisas esquecidas nos armários, libertar todos os personagens dos livros que ficaram presos na estante da sala, conhecer e criar outras histórias, revisitar os retratos largados naquela caixa de sapatos e organizá-los num álbum ou num slide show, para que minhas lembranças repousem eternamente em berço esplêndido enquanto eu ainda possa curtir a vida ao som do mar azul e um céu profundo.

E depois de rimar aposentadoria com poesia, ainda quero ter tempo e coragem de me aventurar em novos vôos que me levem a pousar em aposentos completamente desconhecidos. E quando eu cansar desses pousos imprevistos e tiver que fazer um pouso forçado, quero voar de volta ao meu lar e pousar e repousar tranquilamente no aconchego dos meus aposentos, como uma boa e velha aposentada feliz.

Essa não é uma excelente maneira de encarar a aposentadoria? É sim!

Mas, eu ainda vou resgatar outro sinônimo da palavra aposentadoria. É um sinônimo que deveria substituir legalmente a palavra aposentadoria (talvez eu faça uma campanha para mudar esse termo). Vejam lá nos dicionários: Aposentadoria é sinônimo de jubilação. Jubilar significa encher-se de alegria, de contentamento, regozijar. Regozijo significa grande gozo, duplo contentamento, muito prazer. Jubileu é uma indulgência concedida pelo Papa, uma honraria concedida pelas academias, uma festa de aniversário, uma grande comemoração. Jubileu em hebraico significa sons de trombetas. Quem atinge a jubilação, recebe parabéns e não pêsames.

Por isso, deixo aqui meu agradecimento a todos os companheiros de trabalho que contribuíram para que eu chegasse à jubilação com todos os meus membros, órgãos e sentidos inteiros e saudáveis e pudesse conscientemente comemorar e gozar o resto desta vida que é bonita, é bonita e é bonita.

Fiquem bem, perdoem por eu não ter sido genial, por eu não ter sido tão inteligente e forte quanto vocês mereciam que eu fosse e por eu não ter feito nenhum milagre. Apesar de ter herdado o nome de Maria, nunca fui e nem pretendo ser santa.

Muito obrigada, foi uma honra e um privilégio trabalhar com vocês e contem comigo, mesmo que não seja para o trabalho.

Aos amigos da prosa, da poesia, da música, da noite, das viagens e do papo furado, que tiveram paciência para me esperar, deixo um recado: Me aguardem! Estou voltando e não tenho mais hora pra dormir nem pra acordar.

Morcegos amarelos


Poema de Tonicato Miranda
para Marilda Confortin
a poesia quando vem a mim
vem assim
aos poucos
de manso
para mansinho
de um ganso
para o patinho
contornando tocos
desviando dos loucos
ativando meus sentidos
mudando minha cor interior
recuperando dados perdidos

a poesia quando vem a mim
bem assim
vem bailando
de vestido rodado
saia de chita e fitas
pés descalços
amassando o tablado
fandango pulsando
meu coração e o sangue
jorrando em todos os meus rios
arrastando tudo das margens
enchente forte em todas as imagens

a poesia quando vem a mim
aranha vistosa
às vezes lânguida
às vezes cândida
quase sempre cheirosa
mas pode também ser
revolucionária, guerreira
mesmo quando vem de mulher
arrebatando meu olhar e este mar
que há dentro de mim qual concha
abrigando pérolas que desconheço

a poesia quando vem a mim
vem assim
muda meu jeito
açoita meu peito
deixa-me triste ou quieto
passeando por bem perto
quase recolhido, na gruta escondido
eu e meus morcegos amarelos e belos

Tonicato é meu pareceiro de escrita de contos e cartas literárias. Tonicato foi proprietário de uma das mais curitibanas livrarias desta cidade, a Ipê Amarelo. Tonicato é arquiteto de ciclovias. Tonicato é poeta, proseador e um grande amigo.


POETRIX SOBREMESA

SOBRE MESA

Deu-me três beijinhos.
No quarto,
foundie.

sou feito de curitiba, por Thadeu Wojciechowski


e o Thadeu escreveu essa homenagem a todos os artistas de Curitiba:

sou feito de curitiba


já quis morar em nova york das muitas gentes
amsterdam de todos os bagulhos
tóquio dos mil sóis nascentes
e até são paulo coberta de entulhos
mas não, fui ficando por aqui mesmo
o mundo é pequeno pra mais de uma cidade
e minha vida é tudo que tenho
curitiba entrou nela e, pra minha felicidade,
no seu ecossistema existiam potys leminskis
soldas prados trevisans mirans vellozos
ivos alices buenos buchmanns guinskis
koproskis rogérios pilares franças rettamozos
paixões backs bárbaras shoembergers hirschs
minha mãe meu pai tios avós irmãos primos
pessoas do mundo inteiro como meus vizinhos

já quis morar em outros planetas, outras galáxias
mas eu sou feito de curitiba da cabeça aos pés
corre em minhas veias seus bosques, ruas, praças
vanzolins, marildas, coronas, diedrichs, josés
em cada uma de minhas moléculas, átomos, partículas
collins kolodys lours farias tataras cardosos
leprevosts góes vulcanis smaniottos claudetes
dantes flávios recchias bettegas setos viralobos
sneges justens pryscillas arnaldos octávios bergers
e fui ficando cada vez mais parecido com curitiba
e fui algemado a essa minha alma gêmea
estrela de cada dia estendida por toda minha vida
minha mulher, minha puta, minha santa, minha fêmea
eu, do berço ao túmulo, minha caminhada inteirinha
antonio thadeu wojciechowski, polaco da barreirinha


Esse é o cara. Poeta maior de Curitiba.  Antonio Thadeu Wojciechowski , o verdadeiro polaco da Barreirinha. O meu mestre, Saboro Nossuko. Olha esse diálogo:

- Mestre,

o dia-a-dia sempre me emociona.
O sol aceso como uma lâmpada,
o céu a nos servir de tampa,
o vento que a tudo detona.
- É, essas coisas existem!
- Mas o senhor não vê beleza nelas?
- Vejo graça no que dizes!
- Como assim?
- Na inocência de tuas comparações,
na fragilidade de tuas conclusões.
- Mas tenho lido tanto, mestre.
Será que nunca vou aprender?
- Cala boca, idiota!


Duas horas após profundo silêncio,
o mestre retoma:
- O que aprendeste neste tempo?
- Só uma coisa, mestre.
- E que coisa foi essa?
- Não te interessa!
- Estás começando a virar um mestre!


O livro do Thadeu "Saboro Nossuko", ocupou por um tempo bem curto, o lugar de honra da minha casa: a primeira prateleira do banheiro. Quando um livro está na primeira prateleira, significa que todos os membros da família e amigos estão lendo. Quando some do banheiro, é sinal que algum visitante surrupiou porque gostou também. 

Obrigada pela honra de me citar no poema, Thadeu.

Corvo na manteiga

O clima de Curitiba confunde até as flores.  Estamos em outubro e as fores de maio estão cheias de botões. Parecem com a cara do meu filho adolescente explodindo em  espinhas. Não sabem se abrem ou se fecham em si. Vou colocá-las na janela para que vejam passar as cinco estações do Paulo Leminski. Quando cheguei nessa cidade lá pela década de 70, desembarquei na primeira das estações: A rodoferroviária. No mesmo dia, senti na pele as outras quatro. E quando fui procurar a casa de minha irmã na rua Mateus Leme, tive certeza que se continuasse andando em linha reta, encontraria o mar. Aquela rua tinha cheiro de mar, barulho de mar e casas de frutos do mar. Imperdoável mesmo, não ter mar em Curitiba.

Espirro. Saúde-me! O ar de inverno me inspira. Tremo de saudades. Temo estar cheia de vazios. A ausência dele pesa feito uma tonelada de plumas. Se ao menos eu tivesse cometido todos aqueles crimes. Aceitaria melhor essas penas que me dão tanta tristeza e alergia. Atchim! Penas...

Mas o que é aquilo ali no parapeito da janela do sétimo andar? (parapeito  é aquele murinho que fica na altura da cintura ou do peito e impede que as pessoas normais saiam voando pela janela). Tá vendo, alí, ao lado da flor de maio? Parece um corvo. É um corvo? É um corvo. Já vi essa cena, já li essa história... Isso não vai se repetir... Não sou mais criança, não adoto mais animais esquisitos. Mas como é que um corvo se Põe na minha janela assim tão à vontade? Eu fedo? Estou morta? Alguém me responda!  Ninguém conhece esse poema aqui? Cazzilda! Prometi não dizer mais palavrões conhecidos, então me xingo de Cazzilda. Diminutivo carinhoso, feminino de cazzo.

Abro um chat e pergunto à um amigo que fica eternamente on-line. Mente que não lembra do poema, mas responde:

- Sim, você está morta.

- Filho da mãe! Se disser que eu fedo, te deleto.

E o corvo lá, paradão, me olhando. Ele livre e eu presa. Ele presa, eu predador. Bato na vidraça e faço movimentos com as mãos para espantá-lo. Nem me dá bola. Falo:

- Vai embora! Não gosto de você! Não gosto desse poema. Aqui não é seu lugar. Sai!

Abaixa e levanta a cabeça repetidamente como se não me entendesse e perguntasse: “O quê? O quê ?”

- Você está no centro de uma capital, animal! Curitiba, Paraná, Brasil. Já passamos do ano 2000. Só tem prédio, carro e gente. Não tem nada prá você aqui. Volte para seu lugar.

Acho que vi um sorriso irônico no bico dele. Juro que ouvi ele me dizer:

- E onde é que eu encontro podridão à vontade, lixo, gente que morreu e nem sabe, como você?

As pessoas normais dessa cidade ecológica vêem andorinhas, pardais, sabiás... Os poetas desta cidade são inspirados por borboletas, andorinhas, beija-flores, pombinhas e catorritas. Porque eu tenho que ser visitada por um corvo?

- Porque você não é poeta e nem gente, sua anta!

- Olha, vou esquecer que você existe. Esquecer o que você disse. Você é só um pássaro sem teto (como eu) que migrou para a cidade grande. Pior, nem pertence ao MST. Eu, pelo menos sou sindicalizada.  Você não existe. É só uma metáfora velha, que insiste em aparecer nos meus pesadelos.  Você nem corvo é, seu urubu de merda!

Voltei a falar com aquele artista que vive no computador fazendo capas de livros. Disse-me que estava procurando água na Internet. Navegar é impreciso, respondi e sugeri que procurasse água no mundo real, na terra, usando uma forquilha de roseira. Acho que não gostou da minha sabedoria empírica. Mudei de assunto.

Reclamei do frio. Sugeriu que bebêssemos uma garrafa de um bom Corvo. Tinha que voltar ao assunto, o engraçadinho. Tudo bem.... mas o que faço com esse corvo aqui, perguntei.

- Come ele. Você é muito mole, mulher. Tem que comer carne de corvo e farofa de caco de vidro pra ver se endurece. Ninguém lhe disse isso?
- É verdade. Tinha esquecido dessa receita de sobrevivência. Acho que estou lendo e escrevendo muita poesia... Ando uma manteiga derretida ultimamente.
- Ótimo! Excelente pedida: corvo na manteiga, um bom vinho, você e eu. Topas?
- Eca! Never, never more!
- Não quer sair comigo?
- Não é isso... Não quero comer carne de corvo.
- Tá me chamando de corvo?
- Pare! Você está me confundindo.
- Ainda não, mas pretendo.

Uma semana depois, o mesmo urubu que eu insisto em chamar de corvo, entrou no apartamento de uma amiga. Quem manda morar numa cobertura? Andou pelos quartos, cozinha, entrou na banheira, perfumou-se todo com os sais de banho e encarou o marido dela. Ele é espada: passou a mão no telefone e chamou os bombeiros. Não, os bombeiros não acudiram. Isso só acontece nos filmes americanos. Trancaram o pobre pássaro no quarto do filho que não dormiu em casa. No dia seguinte, a empregada abriu a janela e ele saiu voando solene.

Fez ninho no prédio em frente ao do meu trabalho, sob uma antena parabólica. Visita-me sempre. Agradeceu as flores de maio e as violetas que coloquei na janela em sua homenagem.

Conheci sua família. Tutti buona gente. Só não aceitei o convite para almoçar, por que virei vegetariana e trago minha marmita pro trabalho: arroz, feijão, ovo frito e salada de tomate. Mas se as coisas continuarem piorando desse jeito, não sei não... ele que não insista.

Por Marilda Confortin - in Pedradas Cronicas


vejam só, o mesmo conto traduzido para IDO

IDO - Idiomo Di Omni

Ido é uma língua artificial. Uma versão reformulada e simplificada do Esperanto criada no início do século XX por uma equipa de cientistas e linguistas. Se parece muito com francês, espanhol, italiano, além do próprio esperanto e do português.
Uma das minhas crônicas, publicada no livro Pedradas,  foi traduzida pelo Geraldo, um estudioso do IDO.
Posto aqui, em português e depois em IDO, para deixar registrado essa inesperada tradução.Vá que alguem tenha a curiosidade de ler...


Vulturo en la Butro

Originale en portugalalinguo, da Marilda Confortin
Idala versiono da Geraldo Boz Junior

La klimato di Curitiba konfundas mem la flori di mayo. Ni esas en oktobro e li esas plena de butomi. Semblas la vango di yunulo plena de explodanta pustuleti. Li ne savas se li apertas o se li klosas su. Me metos li an la fenestro por ke li videz pasar la kin stacioni di Leminski(1). Kande me arivis a ca urbo, me desembarkis en la unesma: la autobus-fervoyala staciono/sezono. En la sama dio me sentis per la pelo la altra quar. E kande me iris serchar la apartamento di mea fratino, an strado Mateus Leme, me esis certa ke se me durus iranta rekte, me atingus la maro. Ita strado havas odoro del maro, bruiso del maro e diversa restorerii di manjaji del maro. Nepardonebla ne existar maro hike.

Sternuto. Salude! L’aero di autuno inspiras me. Me fremisas pro nostalgio. Me timas esar plena de vakui. Ilua absenteso pezas quale tuno de plumi/punisuri(2). Se, adminime, me deliktabis omna ta krimini, me akcetus plubone ica punisuri qua donas a me tanta tristeso e tanta alergieso. Atchim! Plumi...

Ma quo esas ito sur la pektoro-mureto dil sepesma etajo? (pektoro-mureto esas ta mureto ke restas sub la pektoro e impedas normala personi ekirar flugante tra la fenestri) . Ka tu vidas, ibe, an la floro di mayo? Semblas vulturo. Kad esas vulturo? Ya esas vulturo. Me ja vidis ica ceno, me ja legis ca rakonto... Ico ne plus iteros. Me ne plus esas infanto, me ne plus adoptas stranja animali. Ma pro quo vulturo Poe/pozas  su an mea fenestro, tale volunte? Ka me malodoras? Ka me mortabas? Ulu respondez a me! Nulu hike konocas ica poemo?  Kacilda!  Me promisis ne plus dicar konocata parolachi, do me inventis Kacilda. Diminutajo karezala di kaco(3).

Me apertas babileyo e questionas amiko qua restas sempre en la interreto. Ilu mentias ke lu ne memoras la poemo, ma repondas:

- Yes, tu mortabas.
- Filiulo de putino. Se tu dicos anke ke me malodoras, me efacos tu.

E la vulturo ibe, stacanta, regardanta me. Lu libero, me arestito/raptato(4). Lu raptato/arestito, me raptisto. Me iras an la fenestro e movas la manui por pavorigar lu. Lu semblas nek vidar me. Me dicas:

- Irez for! Me ne prizas ica poemo. Me ne vokis tu. Hike ne esas tua plaso. Irez!

Lu levas e abasas la kapo, quale se lu ne komprenas e questionas: Quo? Quo?

- Tu esas meze di chefurbo, animalo! Ni esas en 2001. Brazilia. Esas nur konstruktaji, automobili e personi. 
Esas nulo por tu hike. Retroirez a tua plaso.

Me pensas ke me vidis ironia rideto en lua beko. Me juras ke me audis lu parolar:

- Ube me trovos tante multa putraji, kraso, personi ke mortabas ma ne savas lo, quale tu?

La normala personi de ica ekologiema urbo vidas hirundi, paseri e turdi... la poeti vizitesas da papilioni, hirundi, kolibrii, kolombeti e altra bela uceli. Pro quo me vizitesas da vulturo?

- Pro ke tu ne esas poeto, nek persono, besto!
- Bone, me oblivios ke tu existas, me oblivios quon tu dicabas. Tu esas nur senhema ucelo (quale me) ke migris aden ica urbo. Plu male ke tu ne mem apartenas a MST(5). Me, adminime, esas en la sindikato.

Me itere parolis kun ita artisto ke vivas em la komputoro facanta librokovrili. Lu dicis a me ke lu esis serchanta aquo en la interreto. Navigado esas nepreciza/nebezona (6) afero, me respondis e me sugestis ke il serchez aquo en la tero, per ipsilona brancho de roziero. Me pensas ke il ne multe prizis mea praktikala saveso. Me chanjis la temo. Me lamentis pri la vetero. Ilu sugestis ekirar e drinkar botelo di bona Vulturo(7) . Ilu retrovenis al temo, la drolo. Bone, ma quon ma facos pri ta vulturo?, me questionis.

- Manjez lu. Tu esas tro mola, muliero. Tu devas manjar karno de vulturo e vitropeci por hardeskar. Ka nulu parolis ico a tu?
- Esas vero. Me obliviabas. Me pensas ke me esas lektanta tro multa poezio... Lastatempe, me esas quale fuzata butro.
- Bonega! Ecelanta komendo: vulturo en la butro, bona vino, tu e me. Volas?
- Argh! Nultempe. Nultampe itere!
- Ka tu ne volas kunvenar kun me?
- No, ne esas ico... Me ne volas manjar karno de vulturo.
- Ka tu nomas me vulturo?
- Haltez! Tu konfuzas me!
- Ne ja, ma me intencas lo.

Un semano pose, la sama vulturo iris aden apartamento di amikino mea. La blamo es elua, nam elu lojas en kovro (la maxim alta e maxim chera apartamento di edifico). Ol iris en la chambri, kokeyo, aden la balnuyo, parfumizis su per la balnosali e regardis audace elua spozulo. Ilu esas maskula viro: quik prenis la telefono e vokis la fairisti. No, la faristi ne venis. Ico eventas nur en usana filmi. Ili klefagis la kompatind ucelo en la chambro di ilia filiulo, qua ne dormis heme. En la sequanta dio, la hememployatino apertis la fenestro ed ol ekflugis solene.

Ol facis nesto sur la konstrukturo avan la mea, sub parabola anteno. Ol vizitas me freque. Ol dankis pro la flori di mayo e la violi quin me pozis an la fenestro.

Me konocis olua familio. “Tutti buona gente”. Me apene ne akceptis olua invito por dejunar, nam me ja varmigabis mea portebla manjuyo: rizo, fazeolo, fritita ovo e salado de tomato. Se la situeso duras dakadanta, me ya ne savas... plu bone ke ol ne insistez.

____________________________________
(1) En la portugalalinguo la vorto ‘estação’ signifikas e sezono e staciono. Paulo Leminski esis Curitibana poeto, qua dicis ke se on arivas a Curitiba per treno o autobuso, on povas vidar kin sezoni/stacioni en un dio. La quar sezoni e la urbala staciono por autobusi e treni.

(2) Itere la autorino jokas per vorti. Em la portugalalinguo, “pena” signifikas e plumo e punisuro e kompato.

(3) La autorino, quale multa braziliani, descendas de italiani...

(4) La portugala ‘presa’ signifikas e arestito e raptato.

(5) MST esas “Movimento dos Sem Terra”, la Movado dil Sen Tero, qua propozas rurala reformo em Brazilia.

(6) La portugala vorto “preciso” signifikas e preciza e bezona. La frazo “navegar é impreciso” signifikas navigado esas neprecisa afero, ma aludas (e ludas) pri famoza poeziajo da Fernando Pessoa, en la portugala linguo, qua dicas “navegar é preciso, viver não é preciso”, navigado es bezona/preciza afero, vivar ne es bezona/preciza afero.

(7) Corvo esas brando, di vino. La portugala vorto “corvo” signifikas vulturo.

COMO UM DYLAN DEPOIS DO OUTRO...

– Isso não é coisa que se Dylan,
mas eu adylanmito: sou um dylantante
e curto Cobain ficar me fazendo de Bob...
Afinal, Dylan-me com quem Thomas
e Roberte-ei quem és...

– Argh, Ivan! Não faça aZimmerman...

– Tá bom, então, já que like a rolling estou,
juro que este é o último dos trocadylans...

Ivan Justen


 o


DESEJO
(Vitor Hugo)

Desejo primeiro que você ame,
E que amando, também seja amado.
E que se não for, seja breve em esquecer.
E que esquecendo, não guarde mágoa.
Desejo, pois, que não seja assim,
Mas se for, saiba ser sem desesperar.
Desejo também que tenha amigos,
Que mesmo maus e inconseqüentes,
Sejam corajosos e fiéis,
E que pelo menos num deles
Você possa confiar sem duvidar.
E porque a vida é assim,
Desejo ainda que você tenha inimigos.
Nem muitos, nem poucos,
Mas na medida exata para que, algumas vezes,
Você se interpele a respeito
De suas próprias certezas.
E que entre eles, haja pelo menos um que seja justo,
Para que você não se sinta demasiado seguro.
Desejo depois que você seja útil,
Mas não insubstituível.
E que nos maus momentos,
Quando não restar mais nada,
Essa utilidade seja suficiente para manter você de pé.
Desejo ainda que você seja tolerante,
Não com os que erram pouco, porque isso é fácil,
Mas com os que erram muito e irremediavelmente,
E que fazendo bom uso dessa tolerância,
Você sirva de exemplo aos outros.
Desejo que você, sendo jovem,
Não amadureça depressa demais,
E que sendo maduro, não insista em rejuvenescer
E que sendo velho, não se dedique ao desespero.
Porque cada idade tem o seu prazer e a sua dor e
É preciso deixar que eles escorram por entre nós.
Desejo por sinal que você seja triste,
Não o ano todo, mas apenas um dia.
Mas que nesse dia descubra
Que o riso diário é bom,
O riso habitual é insosso e o riso constante é insano.
Desejo que você descubra ,
Com o máximo de urgência,
Acima e a respeito de tudo, que existem oprimidos,
Injustiçados e infelizes, e que estão à sua volta.
Desejo ainda que você afague um gato,
Alimente um cuco e ouça o joão-de-barro
Erguer triunfante o seu canto matinal
Porque, assim, você sesentirá bem por nada.
Desejo também que você plante uma semente,
Por mais minúscula que seja,
E acompanhe o seu crescimento,
Para que você saiba de quantas
Muitas vidas é feita uma árvore.
Desejo, outrossim, que você tenha dinheiro,
Porque é preciso ser prático.
Eque pelo menos uma vez por ano
Coloque um pouco dele
Na sua frente e diga `Isso é meu`,
Só para que fique bem claro quem é o dono dequem.
Desejo também que nenhum de seus afetos morra,
Por ele e por você,
Mas que se morrer, você possa chorar
Sem se lamentar esofrer sem se culpar.
Desejo por fim que você sendo homem,
Tenha uma boa mulher,
E que sendo mulher,
Tenha um bom homem
Eque se amem hoje, amanhã e nos dias seguintes,
E quando estiverem exaustos e sorridentes,
Ainda haja amor para recomeçar.
E se tudo isso acontecer,
Não tenho mais nada a te desejar.

O NATAL DEPOIS DO NATAL QUE NÃO HOUVE



              Faz um ano, agora. Foi o ano em que não houve Natal, a não ser aquele maquiado, para o turista ver. Assustada com tudo o que acontecera, eu estava vivendo em poucos metros quadrados, no depósito de livros de uma editora, sem fogão, sem geladeira, sem chuveiro... SEM JANELA! Sentia-me uma privilegiada, no entanto, pela privacidade que tinha, pelos banhos de balde, pelo ventilador, por ter dinheiro para o restaurante e a padaria, pelo acesso em tempo integral a um computador e à Internet, depois que ela voltou a funcionar.  Quando me cansava de trabalhar ao computador, esticava um colchonete de camping dentre as caixas de livros e dormia, sob os cuidados do meu cachorro, que nem adulto ainda não era.
            Era bem diferente a situação das pessoas que estavam no abrigo público mais próximo, no entanto. Além de todos os desconfortos da falta de privacidade, havia as lembranças e a grande falta de perspectivas. Suas casas tinham explodido em um segundo, conforme me contou o artista plástico Tadeu Bittencourt que acontecera com a casa dele e conforme eu própria vira explodir as casas dianteiras do lugar onde morava – e as casas escorreram morros abaixo junto com os morros derretidos, e assim como as casas, sumiram também os terrenos, e já não havia para onde voltar.
            Naquele angustiante tempo de Natal, eu costumava tirar um tempinho para ir lá no abrigo fazer companhia àquela gente – não havia muito o que fazer, mas eu sentava lá e eles me contavam das suas vidas, e acho que isto era o melhor que eu conseguia fazer. Lembro muito de um senhor já idoso chamado seu Jacinto, que me contava de como trabalhara a vida inteira, de como criara os quatro filhos, de como fizera a casa dos seus sonhos, de como comprara redes espreguiçadeiras para a larga varanda de 54 metros quadrados onde recebia os filhos nos dias de festa, e de como ele e a mulher se deitavam nas redes, na hora do por do sol, e ficavam olhando a paisagem e se certificando da sua felicidade...
            Tudo aquilo sumira num segundo, e seu Jacinto era apenas um entre tantos, entre tantos, naquele abrigo e em tantos outros... Sou pródiga em primos, amigos, afilhados – poderia ter passado a noite de Natal em diversos lugares, mas achei que naquele ano, o ano passado, deveria estar com aquela gente naquele momento mágico que marca o meu ano. Foi bom. A cientista social Luzia e um lindo soldado de 18 anos se desdobraram na cozinha e usaram das muitas doações que a generosidade de todo o país mandara para a nossa cidade para fazerem uma ceia condigna, com quatro grandes perus recheados e mesa decorada com folhas das árvores circundantes. Eu fiquei ali ouvindo as histórias daquela gente até a madrugada, e o Natal se foi.
            Faz um ano, agora. Choveu dinheiro de todos os lados para resolver a situação de toda aquela gente que estava desabrigada faz um ano. Veio dinheiro de doações (tenho os números das contas bancárias das quais nunca ninguém jamais viu um extratozinho que fosse) e tenho cópias dos documentos de repasses de verbas milionárias que o Governo Federal fez para o governo do Estado de Santa Catarina – sempre  há aqueles espíritos de porco que dizem que o governo do Estado não distribuiu o dinheiro, mas então, como é que os demais municípios atingidos pela catástrofe estão fazendo as obras e as casas necessárias? Sei que choveu dinheiro,  mas os desabrigados de Blumenau, um ano depois, continuam nos tais abrigos provisórios. Indagorinha estive num deles para fazer uma visitinha ao seu Jacinto e sua mulher, e vi bem como é: a prefeitura alugou grandes galpões (claro, houve também o escândalo dos galpões superfaturados – não é exagero meu, saiu em todos os jornais, inclusive os da situação), e lá se vive, eu diria, mais que precariamente. Vou tentar contar um pouquinho:
            O galpão onde fui é alto, com teto de zinco. Imaginem o calor que fica sob aquele zinco nos 40 graus que faz nesta cidade – forno puro! Sob aquele zinco, tabiques de madeira à meia altura dividem famílias em cubículos, onde elas se amontoam, cada um ouvindo tudo o que se passa por detrás de todos os tabiques,  enquanto aquele dinheirão todo... cadê o dinheiro da reconstrução?
            Seu Jacinto me falou dos três containers que servem de banheiro para aquela gente toda – quantas pessoas? 150? 200? Disseram-me que há abrigo com mais de 450 pessoas...
            E então há a cozinha coletiva. As pessoas se organizaram, cada família ficou com duas bocas de fogão, e toda aquela gente cozinha e frita, frita bife, frita batata, frita banana... Todos os odores daquelas frituras todas viajam pelo oco entre os tabiques de madeira e o teto de zinco, e há um onipresente cheiro de fritura impregnando tudo, e tudo cheira a gordura rançosa, e a gente faz de conta que aquilo não está acontecendo, que se está mesmo na casa do seu Jacinto, e era assim que eu estava lá quando caiu uma chuvarada, e o barulho no zinco era tão grande que se tornava impossível continuar a conversar.
            É assim que está sendo o Natal de um ano depois do Natal que não houve. Tive a sorte de vir morar numa casinha que tem até cheiro de flor, onde crianças vem brincar na minha varanda  e há até estrelinhas luminosas do lado de fora da janela. E os que não tiveram sorte, como vai ser? Estão lá, assando sob o zinco, tomando banho em containers, sem privacidade, impregnados de cheiro de fritura...  As pessoas já pouco lembram deles...
            Quando se fará justiça nesta minha terra?


                Blumenau, 22 de dezembro de 2009.

                Urda Alice Klueger
                Escritora

FALANDO DE VOCÊ


de Vaneska M. Pegoraro,
para Marilda Confortin

FALANDO DE VOCÊ

Cabeça baixa,
passos firmes,
bom dia com a voz rouca,
perfume ao vento.

Às vezes nem isso ouvíamos,
depois de algum tempo,
ouvia-se um suspiro,
como quem pensa em algo que não volta.

Às vezes a risada entrava primeiro,
depois a festa de lhe ver animada
tomava conta de tudo.

Cabeça baixa,
passos firmes...
Sabíamos que a reunião havia sido mais que cansativa.

Às vezes o cigarro, seu companheiro inseparável
 se queimava entre seus dedos,
queimando junto cada palavra não dita,
cada injustiça sofrida.

Cabeça baixa,
passos firmes,
perfume ao vento,
sorriso aberto,
dedos sempre em figa.

Às vezes era nítida a vontade de foragir-se
desse mundo, de si própria, ouso dizer!

Às vezes não permitia ser sensível,
deixando que as pessoas lhe agradassem.

Se para muitos era uma forma de puxar-lhe o “saco”
para outros era a sincera vontade
de fazer um mimo para quem se quer bem.

Às vezes as pessoas simplesmente passam,
e logo são esquecidas.
Às vezes, algumas pessoas marcam a vida da outra
sem nem mesmo ter noção disso,

Às vezes, pessoas como você
ficam gravadas no coração, na alma,
não por algum motivo especial ou heróico,
mas por ser uma pessoa que tem amor incondicional pela vida.

Cabeça baixa,
passos firmes...
peito aberto para desvendar o que quer que seja,
isso é falar de você, para você e,
com você sempre estarei, enquanto permitir.

Vaneska M. Pegoraro
16/12/2009

Vaneska trabalhou comigo na Secretaria de Educação.  Observadora, inteligente, sensível. Sacava meu humor só pelo barulho dos meus pés entrando no departamento. Às vezes tentava me acalmar, mas, sou meio ouriço... em vez de aceitar, eu largava espinhos pra cima dela. Grande amiga. Mesmo não pertencendo mais à equipe de trabalho, não esquecerei de você e desse quarteto fantástico de pedagogas competentes. 
Obrigada e me perdoe por ser tão dura. São ossos desse ofício. No bar a gente tira a máscara.
da esquerda: Vaneska, Angela, Marilda, Janice