Apurando os sentidos


Manhãs têm gosto de orvalho.
Pequenos Quixotes lutam contra as ondas. 
Crianças: Adultos ensaiando tsunamis.
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A tarde tem cor de sol.
Garotos pedalam na orla curvilínea. 
Adolescentes: Homens praticando amor com suas magrelas.
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A noite tem cheiro de maresia.
Namorados ensaiam pecados nos muros. 
Amor: plânctons que fluoresce no escuro.
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Bienal 

Muita gente falando ao mesmo tempo
e as palavras - mudas
presas nos livros.

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Praça da Poesia

Primeiros estranhamentos: Jovens poetas manoeldebarrosando insignificâncias.
Últimos entranhamentos: Velhos poetas ainda buscando significados nos signos.

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Poetas X críticos
O crítico fala, embasa, explica e disseca a poesia como se fosse rã.
O poeta cala, engasga, extirpa e seca suas tripas como se fosse lã.

(Marilda Confortin - 10ª Bienal do Livro - Salvador - BA - 11/11)

Crônicas de Itapuã I

O sol nem acabou de derreter no mar de Itapuã e lá veio aquele fiapo de lua, uns três palmos atrás seguindo a mesma trilha. Mas não há de ver que está correndo atrás do sol, aquela baianinha arretada? Pensa que não vi, é? Vão se esconder no escuro, lá embaixo da noite, né...

Adalberto há mais de uma hora sentado na mesma pedra que eu, assuntou:

- Ta ouvindo a pedra que ronca?

Contou que nasceu em Cachoeira e agora mora em Salvador. Todo o dia 25 de junho, Cachoeira vira capital da Bahia, me disse orgulhoso de sua terra natal. Me contou sua vida toda. Não foi uma história triste, não.

Crônicas de Itapuã II

Outra coisa muito boa foi uma cachacinha que tomei. Indicada pelo Bojan, um esloveno que trabalha seis meses aqui e seis meses na Eslovênia. Ele e sua mulher Liomar gerenciam a Pousada Poesia onde me hospedei. Eita lugarzinho gostoso. Bem que eu podia morar aqui, namorar aqui, morrer aqui.
lendo o livro Minha guerra alheia, da Marina Colassanti - na piscina da pousada que tem vista pro mar e um portãozinho no muro que já dá na areia.

Crônicas de Itapuã III


Ontem fui passear de SalvadorBus, um ônibus turístico de dois andares, igual ao de Curitiba.

O ponto do ônibus era perto da praça do Vinícius. Passei lá e dei um abraço nele. Contei que você anda ouvindo o Samba da Benção, que tem saudades da Bahia de outros tempos, que tem andado muito triste e isto me preocupa. Ele deu aquele sorriso de poeta fingidor e começou a falar aquela parte da música que os homens adoram e as mulheres detestam:“Uma mulher tem que ter qualquer coisa além de beleza. Qualquer coisa de triste, qualquer coisa que chora, qualquer coisa que sente saudade. Um molejo de amor machucado, uma beleza que vem da tristeza, de se saber mulher, feita apenas para amar, para sofrer pelo seu amor e pra ser só perdão”.

Pópará, seu Vinícius e seu Ton(icato). É melhor ser alegre do que ser triste, vissi? Isso de mulher ser feita pra sofrer pelo seu amor e ser só perdão é resquício da escravidão. Masoquismo puro. E homem que idolatra esse tipo de mulher é aquele tipo que casa com uma Amélia pra ter filhos e tem dúzias de amantes pra conseguir sobreviver (pensa que é Vinícius). E se não tem, fica azedo, mal humorado e tão infeliz quanto a esposa. 

Ele disse que é por isso que estou sozinha. Pode ser, meu poeta. Mas não vou me fazer de besta só pra segurar marido, não. Estar só é uma arte, uma necessidade, todo poeta sabe disso. Somando todos os momentos que passei acompanhada por pessoas interessantes que depois seguiram seu rumo, cheguei a conclusão que tenho mais horas felizes do que a maioria das mulheres casadas que conheço. Até porque a maioria das esposas não conhece o próprio marido e a maioria dos maridos deixa de se interessar pela esposa assim que ela se torna mãe.  Viver uma vida inteira com uma pessoa só e não conhecê-la é um desperdício de vida, é quase um crime. Mas isso não tem importância nenhuma nesse momento. Vamos mudar de assunto, poeta. Que tal dar uma volta em Itapuã, tomar uma cachacha de rolha...

Vinícius não pode passear comigo. Estava todo amarrado, preso em fitas de isolamento. Disseram que prenderam ele porque andou aprontando umas por aí e não que mais ficar plantado naquela praça conversando com turista besta feito eu. Senti pena dele preso daquele jeito. Que dó. Um poeta que sempre prezou tanto pela liberdade...

Tardes em Itapuã IV - Orixás

O tempo virou mesmo. Os últimos dias foram  de vento forte e chuva. Muita chuva. O povo daqui diz que fui eu, a curitibana, que trouxe esse temporal fora de época pra cá. Poderosa eu. Só não consegui fazer o tempo esfriar.  Tudo esquenta por aqui...
A pousada tem uma biblioteca. A maioria dos livros é de engenharia e no idioma esloveno. Na pousada Poesia, na rua da Poesia não tem livros de poesia. Pode? Inconcebível. Já registrei minha queixa e os simpáticos donos da pousada vão tratar de por poesia nas prateleiras e paredes.  Começando pelos meus livros de deixei eles.
Tempo feio...
_ O Tempo dá, o Tempo tira, o Tempo passa e a folha vira.

Quem me falou isso foi uma soteropolitana chamada Jacira...

Boia Fria


Poema de Hercio Afonso de Almeida

(Foto: Daniella Rosário)
São dobras por onde ando,
em passos, relento.

Vejo gente, vejo sobras,
cumprem penas, passo lento.

É um sorriso falho,
morto, sem dentes.
É um olhar pedinte,
uma vontade em súplica.

É a mão calejada,
enxada perdida,
uma cana queimada,
um corte, tanta gente.

E rola o filme
e passa a vida.
Arde o fogo
na queima da cana.

É o sangue que rola,
a mão que despede,
a boia que esfria,
o filho que desperta.

E vejo tudo, contemplo.

E passa gente
e passa cão.

Ninguém vê!
É tudo sempre igual.

(do livro: Minha primeira vez - Brincando no horizonte da palavra)

Manipulação - Sérgio Edvaldo





o amor tem olhos
sabedoria farmacêutica:
não entende patavina
do que está escrito
nas linhas da vida,
mas acerta na dosagem...
e a droga amor sempre cura!


(Sérgio Edvaldo Alves)

Tristeza na bandeja
- de Tonicato Miranda


 Minhas lágrimas para você são assim:
duas gotas doces, três gotas rosa-alface
lenço perfumado, cinco sorrisos distraídos
não há tristeza no meu olhar, nem face
Na prateleira da geladeira tem uma goiaba
guaraná e queijo, o vento gelado de ontem
muitos vazios e a lembrança doce da amada
o seu pudim pedindo a boca: vem aqui, vem
Minha tristeza pensando nela é jazz puro
dedos de pianista martelando com vigor
música sem ter tempo para apagar o dia
ou avançar noites, pois é tarde, é amor
Apenas quando a canção acalma e deita
dispondo-se sobre a mesa, como bandeja
lá onde muitas são frutas e notas musicais
uma última lágrima cai, minha voz gagueja
Vou sair desta sala devagar como quem
nela não entrou, nada provou, ou deixou
vou partir com o sax e o piano – piano, piano
deixando só quem nunca me amou, ou, ou,ou...
Curitiba, 4/9/2011.
TM

Poetrix na Feira de Livros


Feira de livros em Santa Cruz
 

Manhã setembrina.
Abelhas volteando sobre meu livros.
Será que sai mel?
 (Anair Weirich)

 =0=

Na Feira de Santa Cruz

Enxame de leitores.
Poesia poliniza.
Poesia polemiza.

 (Marilda Confortin)

=0=

Abelha no livro
O zangão anda zangado
Colméia sem bóia.

Abelhas nos livros
Faltam flores na floresta
Consciência morta.
  (Vilmar Daufenbach) 


 =0=
Essas foram algumas das brincadeiras escritas nesse final de semana com poetas chapecoeneses. Anair, prima, na feira do Livro em Santa Cruz, teve seus livros atacados por abelhas (seus livros são perfumados) enquanto travava uma conversa sobre o Poetrix com um escritor local. E Vilmar, diz que não sabe escrever poetrix nem haicai por isso criou um novo tipo de terceto terá como regra falar de concreto, asfalto, plástico ou algo que impacte no meio ambiente.  Kigo urbano, Vilmar?  😅

Na terra de Condá
os postes nascem de sementes.
Árvore cá não dá.
(Vilmar Daufenbach)

=0=

Vil Mar

Zangão não faz mais mel.
Só poesia concreta,
ferroada e fel.
(Marilda Confortin)