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"Sobre o texto perdido de Italo Calvino e a falta das palavras nunca ditas"
Por: JULIÁN FUKS

Às vezes sinto falta do que nunca existiu. Do livro sobre nada que Flaubert tanto desejava escrever, sem jamais conseguir, do longo poema épico que Borges dizia estar destinado a criar, mas não criou. Sinto falta sobretudo de uma pequena conferência que Italo Calvino nunca deu, em que estaria contida uma mensagem essencial para o nosso tempo: sua proposta final sobre os princípios que deveriam marcar o novo milênio, sua palavra última sobre o indispensável à escrita e à vida, palavra que se perdeu irreparavelmente.... - Leia o artigo completo 

O Poetrix foi inspirado no livro Seis propostas para o próximo milênio de Ítalo Calvino. 

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Fábula italiana contada por minha mãe


Em 1954, o editor italiano Einaudi encomendou ao jovem escritor Ítalo Calvino, uma pesquisa das fábulas italianas mais populares na Itália, para competir com as as clássicas coletâneas francesa e alemã de Perrault e dos Irmãos Grimm.

A pesquisa resultou numa bela coletânea que foi publicada em 1956 com o título Fiabi Italiani. Imagem do livro

Uma das fábulas mais populares e antigas do livro é “Giovannin Senza Paura”, que eu conhecia por Botapor. É uma história infantil, assustadora, como eram a maioria das lendas antigas passadas de boca em boca pelos italianos, há mais de 300 anos.

Minha mãe contava uma versão sem pé nem cabeça. Melhor dizendo: tinha pés, braços, pernas e cabeça que caiam um a um do teto, da nossa casa de madeira mal iluminada por um lampião à querosene e pelas brasas do fogão à lenha.

Lembro da mãe, Sunta, à noite, mexendo a polenta e falando:

- Bota?
- Botapor!

Esse diálogo já é uma adaptação do dialeto Talian falado no Brasil pelos imigrantes e traduzido para o português. No dialeto original de Veneto é “Butto? Butta, poi !”. Cada vez que o monstro botava (do verbo botar = largar, deixar cair) um pedaço do corpo, a mãe nos assustava batendo com a méscola (colher de pau) na tampa da panela.

Apesar do medo, sempre pedíamos para ela contar a mesma história. E ela contava, cada vez diferente, misturando palavras em português com Talian.

Depois dos sessenta anos de idade, já avó, eu tive a oportunidade de ler o livro Fiabe italiane, do Clavino, traduzido para o português. As lembranças de infância vieram à tona. Acredito que a mãe ouviu essa história contada pela nossa bisnonna, que ouvi da nossa trisnnona (tataravó) e assim foi passando adiante até chegar a minha vez de contar para meus filhos e netos.

Dedico esse livro a meus netos Lucas e Lara e aos que ainda virão.

Ilustrações: Lucas Peron - 6 anos - sob orientação de sua mãe Nayara, minha filha.

Boa leitura!



 AS CIDADES INVISÍVEIS




Trecho do livro AS CIDADES INVISÍVEIS – Ítalo Calvino

“A cidade de Leônia refaz a si própria todos os dias: a população acorda todas as manhãs em lençóis frescos, lava-se com sabonetes recém-tirados da embalagem, veste roupões novíssimos, extrai das mais avançadas geladeiras latas ainda intatas, escutando as últimas lengalengas do último modelo de rádio.
Nas calçadas, envoltos em límpidos sacos plásticos, os restos da Leônia de ontem aguardam a carroça do lixeiro. Não só tubos retorcidos de pasta de dente, lâmpadas queimadas, jornais, recipientes, materiais de embalagem, mas também aquecedores, enciclopédias, pianos, aparelhos de jantar de porcelana: mais do que pelas coisas que todos os dias são fabricadas vendidas compradas, a opulência de Leônia se mede pelas coisas que todos os dias são jogadas fora para dar lugar às novas. Tanto que se pergunta se a verdadeira paixão de Leônia é de fato, como dizem, o prazer das coisas novas e diferentes, e não o ato de expelir, de afastar de si, expurgar uma impureza recorrente. O certo é que os lixeiros são acolhidos como anjos e a sua tarefa de remover os restos da existência do dia anterior é circundada de um respeito silencioso, como um rito que inspira a devoção, ou talvez apenas porque, uma vez que as coisas são jogadas fora, ninguém mais quer pensar nelas.
Ninguém se pergunta para onde os lixeiros levam os seus carregamentos: para fora da cidade, sem dúvida; mas todos os anos a cidade se expande e os depósitos de lixo devem recuar para mais longe; a imponência dos tributos aumenta e os impostos elevam-se, estratificam-se, estendem-se por um perímetro mais amplo. Acrescente-se que, quanto mais Leônia se supera na arte de fabricar novos materiais, mais substancioso torna-se o lixo, resistindo ao tempo, às intempéries, à fermentação e à combustão. E uma fortaleza de rebotalhos indestrutíveis que circunda Leônia, domina-a de todos os lados como uma cadeia de montanhas.
O resultado é o seguinte: quanto mais Leônia expele, mais coisas acumula; as escamas do seu passado se solidificam numa couraça impossível de se tirar; renovando-se todos os dias, a cidade conserva-se integralmente em sua única forma definitiva: a do lixo de ontem que se junta ao lixo de anteontem e de todos os dias e anos e lustros.
A imundície de Leônia pouco a pouco invadiria o mundo se o imenso depósito de lixo não fosse comprimido, do lado de lá de sua cumeeira, por depósitos de lixo de outras cidades que também repelem para longe montanhas de detritos. Talvez o mundo inteiro, além dos confins de Leônia, seja recoberto por crateras de imundície, cada uma com uma metrópole no centro em ininterrupta erupção...”


QUALQUER SEMELHANÇA COM A REALIDADE 
É MERA COINCIDÊNCIA?