Mostrando postagens com marcador Prosa Marilda Confortin. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Prosa Marilda Confortin. Mostrar todas as postagens

Joãozinho sem medo - Ebook


Fábula italiana contada por minha mãe


Em 1954, o editor italiano Einaudi encomendou ao jovem escritor Ítalo Calvino, uma pesquisa das fábulas italianas mais populares na Itália, para competir com as as clássicas coletâneas francesa e alemã de Perrault e dos Irmãos Grimm.

A pesquisa resultou numa bela coletânea que foi publicada em 1956 com o título Fiabi Italiani. Imagem do livro

Uma das fábulas mais populares e antigas do livro é “Giovannin Senza Paura”, que eu conhecia por Botapor. É uma história infantil, assustadora, como eram a maioria das lendas antigas passadas de boca em boca pelos italianos, há mais de 300 anos.

Minha mãe contava uma versão sem pé nem cabeça. Melhor dizendo: tinha pés, braços, pernas e cabeça que caiam um a um do teto, da nossa casa de madeira mal iluminada por um lampião à querosene e pelas brasas do fogão à lenha.

Lembro da mãe, Sunta, à noite, mexendo a polenta e falando:

- Bota?
- Botapor!

Esse diálogo já é uma adaptação do dialeto Talian falado no Brasil pelos imigrantes e traduzido para o português. No dialeto original de Veneto é “Butto? Butta, poi !”. Cada vez que o monstro botava (do verbo botar = largar, deixar cair) um pedaço do corpo, a mãe nos assustava batendo com a méscola (colher de pau) na tampa da panela.

Apesar do medo, sempre pedíamos para ela contar a mesma história. E ela contava, cada vez diferente, misturando palavras em português com Talian.

Depois dos sessenta anos de idade, já avó, eu tive a oportunidade de ler o livro Fiabe italiane, do Clavino, traduzido para o português. As lembranças de infância vieram à tona. Acredito que a mãe ouviu essa história contada pela nossa bisnonna, que ouvi da nossa trisnnona (tataravó) e assim foi passando adiante até chegar a minha vez de contar para meus filhos e netos.

Dedico esse livro a meus netos Lucas e Lara e aos que ainda virão.

Ilustrações: Lucas Peron - 6 anos - sob orientação de sua mãe Nayara, minha filha.

Boa leitura!



Crítico X Poeta

Lendo um artigo sobre a poesia brasileira, pensei…

O crítico fala, embasa, explica e disseca a poesia como se fosse rã.
O poeta cala, engasga, extirpa e seca suas tripas como se fossem lã.



The Wound Man 1491

Prosa Diário de uma leitura


DIÁRIO DE LEITURA DO LIVRO “A ESTÉTICA MÁXIMA”, DO FILÓSOFO E AMIGO  FAUSTO DOS SANTOS

Iniciei a leitura desse livro às vésperas de uma longa viagem para o México. Estava participando pela segunda vez, como representante brasileira, da  XX edição do Encuentro Internacional de Mujeres Poetas em ele País de las Nubes, a convite de Emilio Fuego, o organizador desse intercâmbio entre poetas de todos os continentes. Eu sabia que seria a ultima vez que o veria.  Emílio faleceu pouco tempo depois, vítima de um câncer que o consumia. 

Escolhi com livro de bordo “A Estética Máxima”, do curitibano Fausto dos Santos, porque era o mais fininho dos seus livros. Pensei que fosse fácil. Ledo engano. 
Não, não é um livro de estética facial, emagrecimento, rejuvenescimento nem decoração de ambientes. Fala de Estética no sentido filosófico. Aquilo que se pode aprender pelos sentidos. Fausto é filosofo e poeta.  E vice-versa. E vide versos. E o bicho pegou...

Dia anterior - Arrumando as malas

“da coisa sentida, para o sentido da coisa” – Fausto dos Santos

O carinho do vento excita as palhas da palmeira. Ela bate insistentemente na janela do meu quarto.
Uma pomba rola fez o ninho entre as bainhas das folhas. Os espinhos protegem dois ovinhos. Coincidência...  Está chocando.

Ele abriu uma clareira entre os espinhos,
aninhou-se em meu colo de ouriço,
fecundou-me e partiu. 
Chocou-nos.

Não posso ler esse livro agora! Tudo faz sentido! Tenho que me concentrar na viagem. Viajo amanhã. Vou levar o livro do Fausto para ler no avião. Espero que a rolinha fique bem e meus filhos também.

Insônia. Preciso estar no aeroporto às cinco da madrugada. Já passam das duas e não consigo dormir.

“Aquilo que não nasce conosco é o que de nós permanece” – Fausto dos Santos

Prosa Pequenas dúvidas domésticas em tempos de crise


PEQUENAS DÚVIDAS DOMÉSTICAS

Dá para cultivar dinheiro-em-penca
num potinho de salário mínimo?
Mentiras deslavadas podem ser submetidas
a lavadoras a jato de alta pressão?
Sovar a massa de protesto das ruas
altera o preço do pão?
Nos formulários do Imposto de Renda
onde declaro as perdas e danos
causadas pelo (des)governo?
Como descontaminar um peixe fisgado
usando um corrupto como isca?
Um terninho verde, reformado
e uma bolsa família vermelha, surrada
é um traje social para ir um panelaço?
Um poema sem clima, hostil,
ainda rima com Pátria amada Brasil?



Salada e Leitura

Tinha esquecido dessa. Revirando meus guardados, encontrei muita coisa... 

Clique na imagem para ler meu texto "Salada e leitura" publicada também no Jornal da Secretaria de Educação do Governo do Paraná
 

Cartas literárias

Tonicato e eu, estaremos lendo poesias e cartas literárias (inclusive uma inédita da Helena Kolody). Duração aproximada de uma hora e meia, intercalada por música instrumental do grande violista Gegê Félix.
Promoção de LaBeMol Produções Artísticas, com apoio da Choperia Colarinho.



Valeu Gegê e Tonicato!


Uma das cartas que li:

Neste momento não sei qual tratamento devo usar contigo.
Querido, prezado, caro ou estimado amigo? Nem sei se ainda somos amigos. Vou deixar em branco a saudação inicial de nossas cartas.
Não sei se o que vou escrever será uma carta literária ou apenas resposta à tua mensagem. Vou escrever assim mesmo, sem travas na língua, como sempre fiz.

estela maia



Monumento 6 de Tortuguero. Estela maia que assinala o dia 23 de dezembro de 2012 como o fim de um ciclo e início de outro.

Não matem. Não morram. 
Os maias previram o fim de uma era e começo de outra. 

Quem viver, verá. Vivamos, pois!

XX ENCUENTRO INTERNACIONAL DE MUJERES POETAS




Agora é oficial e posso compartilhar essa boa notícia com os amigos e familiares: Fui convidada para representar o Brasil no XX Encontro Internacional de Mulheres Poetas no País das Nuvens - México. 

Recebi o convite e a confirmação do órgão organizador no início desta semana e estou providenciando o que me foi solicitado.

Sei que alguns astros da Via Láctea estão Bilacquiando: “Ora (direis)”, por que a Marildinha? Nem brilhante é. “E eu vos direi, no entanto,” usando palavras da poetamiga Helena Kolody: “Deus dá a todos uma estrela. Uns fazem da estrela um sol. Outros, nem conseguem vê-la”.

O XX Encontro Internacional de Mulheres Poetas de 2012 se realizará de 6 a 13 de Novembro. É presidido pelo poeta Emílio Fuego, do Centro de Estudos da cultura Mixteca, e tem a coordenação e apoio do Consejo Nacional para la Cultura y las Artes (CONACULTA), da Secretaría de las Culturas y Artes del Gobierno de Oaxaca (SECULTA), do Instituto Nacional de Bellas Artes (INAH), da Universidad Nacional Autónoma de México (UNAM), dos Governos Municipais e comunidades indígenas da região Mixteca do estado de Oaxaca e de maneira muito especial, das famílias que há 20 anos recebem em suas casas, as poetas contemporâneas do mundo selecionadas para esse intercâmbio cultural.

A parte principal do festival será em Oaxaca, mas, acontecerão recitais, palestras e apresentações em escolas, universidades, teatros, praças e igrejas de outras regiões também, culminando com um grande recital no magnífico Palácio Nacional de Belas Artes, na cidade do México. Lá mesmo, onde estão os famosos painéis do Diego Rivera, no mesmo palco onde se apresentaram ícones mundiais como Maria Callas, Pavarotti e onde aconteceu o funeral da Frida Kahlo. Arrepiante!

Essa é a segunda vez que tenho o privilégio de participar desses encontros no México e a quarta vez que represento o país em eventos de poesia (Portugal, Nicarágua e México).


VIVA A POESIA!


Carnaval da Poesia - Nicarágua


Eu declamando no "poetamóvel", em Granada



O país das mulheres, Gioconda Belli



Gioconda Belli, escritora nicaraguense que tive o prazer de conhecer pessoalmente no Festival de Poesias de Granada, fundou o  PIE - Partido de la Izquierda Erótica. Eu me filiei. 😍


Tem até Manifesto. Clique para no link para ler  Manifesto PIE

Mulheres do mundo inteiro apoiaram. 
Gioconda foi mais adiante. Criou o País das Mulheres. 
Estou me mudando pra lá. Leiam o livro. É sensacional! 

 


Anfíbias

a contracorriente entre el agua y la tierra
mucho tiempo ya nos ocultamos
en las grutas quietas
de la domesticidad y el silencio
Pero aún con el agua al cuello
no nos ahogamos.
Ahora venimos a la vida con el desafío
y la desobediencia en la boca
Rechazamos los mandamientos
con que en nombre del amor y el parto nos sometieron.
Ahora nos alzamos con caballitos de mar en las manos
Cantando y vociferando
Deshaciendo gozosas
el muro que alzaron para separarnos.
Cantemos hermanas
No paremos de cantar
Las sirenas han recuperado las piernas.
Andaremos, andaremos, andaremos
Lavaremos el mundo
con nuestra agua viva
para sanarlo
para que sobrevivamos.

(Gioconda Belli)


BARREADO CULTURAL DO FAROL DAS CIDADES


Isso nunca tinha acontecido comigo. Fui buscar uma receita de barreado na internet, e não há de ver que encontrei uma, onde eu sou um dos ingredientes...! 


Gostei.  Que (a)gente criativa essa da Biblioteca Farol das Cidades!

  
INGREDIENTES:


 - 1kg de bom humor diário de Paulo Leminski .
 - Um punhado (bem caprichado) de amigos do coração com Dalton Trevisan.
 - Um punhado de pétalas de rosas brancas, amarelas e vermelhas para Helena Kolody.
 - 1kg de perseverança de Emilio de Menezes.
 - Uma colher de sopa de estrelas (colhidas na hora) por Marilda Confortin.
 - 3 kg de paciência de Emiliano Perneta.
 - Uma colher de sopa de brilho do sol colhidos por Alice Ruiz.
 - Essência de Cristóvão Tezza.
 - 1 pitada de Domingos Pellegrini.


MODO DE FAZER:


Coloque todos os ingredientes num recipiente de barro.
Misture tudo com muito carinho, bem devagar e deixe curtindo uma noite inteirinha.
Pegue a colher de madeira e retire um a um, saboreando cada palavra.
Degustando cada verso, saciando a alma de poesias.
Bom Apetite!
Muito obrigada, professoras!

Flagrante


(Da série: “histórias secretas de amigos e inimigos” – por Marilda Confortin, com a co-autoria e cumplicidade do personagem principal)

Flagrante 

Julia trabalhava comigo no sétimo andar de um edifício comercial no centro de Curitiba. Estávamos no horário de almoço. Ela fazia uma ikebana de rosas vermelhas e assistia o movimento da cidade pela janela.

De repente ouviu uma gritaria lá em baixo. Viu um homem correndo e uma mulher gritando desesperada: “Pega ladrão! Pega Ladrão!”

As pessoas pararam na calçada como se estivessem filmando uma cena congelada para um filme do Fellini.

Um carro invadiu a calçada e freou bem na frente do ladrãozinho. Julia nunca diferenciou marcas nem modelos de carros. Só diferenciava Fusca e Kombi. Disse-me que não era nenhum desses. Do tal veículo ela viu saltar um belo homem de uns trinta anos. Ou seria quarenta? Julia não diferenciava idades também, mas naquelas alturas do edifício e da idade ficou feliz por ainda diferenciar um homem de uma mulher.

Com destreza de quem faz isso todos os dias, o homem derrubou e imobilizou o meliante. Deu uns tapas no traseiro do cara, tirou o cinto (dele, meliante) amarrou as mãos (dele, meliante) e prendeu-o vergonhosamente numa lixeira da prefeitura.

Devolveu a bolsa da mulher, beijou sua mão e fez uma reverência típica dos toureiros para receber os aplausos dos transeuntes. ´

Tudo aconteceu muito rapidamente. Eu nem vi. Só vi quando Julia retirou uma rosa vermelha da ikebana, beijou-a, gritou “Olé!” e jogou-a para o herói anônimo.

Ele fez um sinal para que ela esperasse. Julia obedeceu. Ele subiu. E como subiu! E Julia subiu pelas paredes. Eu me tranquei no banheiro e fiquei espiando. Afe Maria!

Sou madrinha de casamento deles. Vocês devem conhecê-los. Eles costumam “curtir” as histórias publicadas aqui...


(marilda confortin)

"Melhor morrer de vodca que de tédio"


"Melhor morrer de vodca que de tédio"

Por Marilda e Douglas - os fabricantes

- Como se escreve três em italiano?
- Não tenho certeza. Escreve quatro. Pronto.

E assim nasceu a festa “Quatro giorni in Itália”.
Éramos poucos, mas muito loucos. Queríamos mudar o humor da cidade. Inventávamos festas, roteiros turísticos, shows, festivais, exposições, concursos, mil projetos. Poucos aprovados, mas isso não importava. Nosso negócio era polemizar, polinizar.

- Escreve uma frase aí pro cartaz do dia 13 de maio.
- Ta. A Lei Áurea foi um serviço de preto.
- É preconceituosa. Faz outra.
- Então ta: A Lei Áurea NÃO foi um serviço de preto.

E a Jaine fazia o cartaz e o Diabo espalhava na cidade inteira. O circo pegava fogo. Apanhávamos dos pretos e dos brancos, depois saíamos todos juntos sambando no mesmo bloco na Avenida Marechal. Liderados pelo Glauco, suas porta-bandeiras e a bateria de todas as escolas de samba. Ninguém entendia nada.

Pra comemorar as diferenças criativas fazíamos uma comidinha na casa da Elisa e Douglas.  Éramos sócios na fabricação de uma vodca chamada Majakovskj, famosa nos bailes do Operário. Cada garrafinha levava uma frase do escritor amarrada no gargalo.
Jaine e Fernando Alexandre foram cúmplices da criação do desenho, da marca, da divulgação, dos porres e culpados pelo fanatismo criado pela maledeta.

- Outra vodka, tá louco!
Poeta Vladimir, em nanquim preto, só nos observava pela na janela. Belíssima arte, Jaine Suniê. Quem não gostava da vodca comprava só a garrafa. Era o mesmo preço. E quem gostava trazia a garrafa pra encher de novo. Era o mesmo preço. Não dava lucro, mas era divertido. Todos os intelectuais da cidade eram nossos clientes. Rei Bola era o divulgador oficiais para Curitiba e Rio de Janeiro. Tina e Suzana davam o maior apoio e o Armando nos protegia. Ele parou de beber a outra vodca a 70 graus porque disse que derretia a gengiva. Não adiantou nada. A Majakovskj derretia corações.

Politicamente incorretos. Todos nós.

- Que tal criar espaços para fazer festival de rock, poesia, música erudita, aproveitar a vinda do Dalai Lama e do Papa pra inaugurar e acabar com esse carnaval medíocre de Curitiba?
- Taí! Boa! Daí, quem não curte carnaval vem pra cá.

E lá fomos procurar áreas públicas ociosas. Tinha um monte. O Cachorro-Louco (Leminski, prá quem não sabe) indicou um lugar porreta onde costumava fazer piquenique. Voltamos cheios de carrapicho nos cabelos, pico-pico nas roupas e fomos direto pro bar do Pudim beber uma vodca e escrever o projeto.

- Vocês estão brincando comigo? Primeiro aquela história de Albergues para a Juventude Transviada e agora isso?
- Mas é uma boa idéia...
- Boa idéia é a cachaça que vocês bebem! Sumam da minha frente, cambada de hereges!

Foda-se. Prefeito idiota. Perfeito idiota. (Enga)vetou o embrião da Pedreira Paulo Leminski e muitos outros. Só porque éramos loucos e jovens.

Falando em Paulo, ele era um dos clientes mais assíduos da Majakovskj.  Somos cúmplices ou culpados pela sua poesia e sua partida prematura?

Como bem disse o mal dito Douglas, os sobrenomes e a biografia completa daquele  time, só passando por cima de nossos cadáveres. Pra isso não falta muito...
Um brinde aos bons e velhos amigos!


(Da série: “histórias secretas de amigos e inimigos” – por Marilda Confortin, com a co-autoria e cumplicidade do personagem principal)


salada & leitura

Salada e leitura

Por Marilda Confortin


Ler é como comer salada. Todos sabem que é um alimento indispensável para a saúde do corpo e para o desenvolvimento da inteligência, mas poucos comem. E para piorar, muitos passam esse desgosto, esse desprazer para seus filhos, netos e alunos. Aí quando a criança fica fraquinha, apática e atrasada, os adultos começam rezar aquela velha ladainha: “tem que ler, tem que ler”. Rezar sem fé não adianta. Falar sem crer é mentir. Teorizar sem praticar é demagogia.  

Todos nós somos atraídos pela apresentação do prato de salada e pelo ritual do preparo. Se a criança vê diariamente um adulto satisfeito na cozinha, escolhendo as melhores folhas, misturando cores e formas diferentes, experimentando, sorrindo de prazer e arrumando a mesa com aquele belo prato em destaque, com certeza vai querer comer aquela salada gostosa. E não desenvolverá preconceitos contra pepinos, abacaxis e rúculas, porque saberá que algumas amarguras e acidezes são os temperos da salada da vida. São referenciais para doçuras, nos fortalecem e apuram os sentidos.  

Assim é a formação de leitores na escola. Começa pela cozinha, digo, pela biblioteca. 

Deve ser um lugar agradável, iluminado, limpo onde o estudante possa ir e vir mesmo que ainda não esteja faminto. Abrir o apetite é fundamental. Não se deve enfiar livros goela abaixo. É indigesto. A curiosidade e a fome despertarão naturalmente ao observar professores e outros estudantes da sua idade devorando prazerosamente pilhas de livros.

O acolhimento é muito importante. Ninguém deve ser empurrado ou enxotado da cozinha, digo, da biblioteca. O estudante ou professor precisa se sentir querido, acolhido naquele espaço. Precisa saber que aquela sala faz parte da sua escola tanto quanto o pátio, a sala de computadores ou a cancha de esportes. Deve sentir confiança na pessoa que “cuida” da biblioteca, pois sabe que ela é competente, capacitada e principalmente gosta muito de salada, digo, de leitura. 

Nem todas as folhas servem para fazer salada. Algumas são até venenosas ou quando mal escolhidas podem conter ovinhos de preconceitos que se desenvolverão feito pragas na cabeça  do leitor, transformando-o num adulto doente. Por isso é importante escolher muito bem as folhas dos livros servidas na biblioteca.

Mas, nem só de folhas, se faz uma salada. Pode misturar legumes, frutas, massas, molhos, etc. A biblioteca deve oferecer uma diversidade atraente que atenda todos os gostos e idades. Dos paladares iniciantes aos mais sofisticados e introduzir gradativamente outros repertórios no menu. Além dos clássicos repletos de saudáveis e deliciosas folhas de papel, deve-se oferecer também as contemporâneas e recém nascidas folhas de papel virtual, na forma de livros eletrônicos, blogs e portais. Para os resistentes ou aqueles que se atraem mais pelo recipiente do que pelo conteúdo, a biblioteca deve oferecer opções chamativas, no formato de contação de história, recital e varal de poesia, gincana e oficina, clubes e grêmios literários, filmes, música, dança, teatro, pintura, escultura, jogos, computador, enfim, depois que pegar gosto e descobrir que se pode adquirir conhecimento de muitas maneiras, o estudante não dará mais tanta importância para a cor ou formato da tigela da salada. 

Fácil despertar o gosto pela salada e pela leitura, não é? Esse foi o desafio dos nossos pais e professores. Somos filhos do século passado. Por isso a maioria de nós come pouca salada (só quando adoece) e lê menos ainda (só livros de auto-ajuda para amenizar as dores ou apostilas de macetes para passar nos concursos).  Somos uma geração raquítica...

Se a receita acima pareceu difícil, veja o que esse novo milênio espera de nós, de nossos filhos e de nossos alunos:  

- O indivíduo que não desenvolver a capacidade de acessar a informação nas mais diferentes e complexas mídias, estará fora do mercado de trabalho;
- O indivíduo que souber acessar a informação, mas não conseguir compreendê-la, criticá-la, classificá-la em boa ou má, útil ou inútil, estará fora do mercado.
- O indivíduo que souber acessar e compreender a informação, mas não conseguir traduzí-la de forma objetiva e clara, na forma verbal e escrita, estará fora do mercado
- O indivíduo que souber acessar, compreender, traduzir, mas for tímido ou egoísta suficiente para não compartilhar e não produzir novas informações, será demitido ou falirá sua empresa. 

Este é o desafio da nossa geração: Formar cidadãos leitores e escritores, capazes de acessar, compreender, produzir, reproduzir e compartilhar informações, sem explodir o planeta.
Sem energia para encarar? Coma mais salada. Leia e escreva mais...

Crônicas de Itapuã I

O sol nem acabou de derreter no mar de Itapuã e lá veio aquele fiapo de lua, uns três palmos atrás seguindo a mesma trilha. Mas não há de ver que está correndo atrás do sol, aquela baianinha arretada? Pensa que não vi, é? Vão se esconder no escuro, lá embaixo da noite, né...

Adalberto há mais de uma hora sentado na mesma pedra que eu, assuntou:

- Ta ouvindo a pedra que ronca?

Contou que nasceu em Cachoeira e agora mora em Salvador. Todo o dia 25 de junho, Cachoeira vira capital da Bahia, me disse orgulhoso de sua terra natal. Me contou sua vida toda. Não foi uma história triste, não.

Crônicas de Itapuã II

Outra coisa muito boa foi uma cachacinha que tomei. Indicada pelo Bojan, um esloveno que trabalha seis meses aqui e seis meses na Eslovênia. Ele e sua mulher Liomar gerenciam a Pousada Poesia onde me hospedei. Eita lugarzinho gostoso. Bem que eu podia morar aqui, namorar aqui, morrer aqui.
lendo o livro Minha guerra alheia, da Marina Colassanti - na piscina da pousada que tem vista pro mar e um portãozinho no muro que já dá na areia.

Crônicas de Itapuã III


Ontem fui passear de SalvadorBus, um ônibus turístico de dois andares, igual ao de Curitiba.

O ponto do ônibus era perto da praça do Vinícius. Passei lá e dei um abraço nele. Contei que você anda ouvindo o Samba da Benção, que tem saudades da Bahia de outros tempos, que tem andado muito triste e isto me preocupa. Ele deu aquele sorriso de poeta fingidor e começou a falar aquela parte da música que os homens adoram e as mulheres detestam:“Uma mulher tem que ter qualquer coisa além de beleza. Qualquer coisa de triste, qualquer coisa que chora, qualquer coisa que sente saudade. Um molejo de amor machucado, uma beleza que vem da tristeza, de se saber mulher, feita apenas para amar, para sofrer pelo seu amor e pra ser só perdão”.

Pópará, seu Vinícius e seu Ton(icato). É melhor ser alegre do que ser triste, vissi? Isso de mulher ser feita pra sofrer pelo seu amor e ser só perdão é resquício da escravidão. Masoquismo puro. E homem que idolatra esse tipo de mulher é aquele tipo que casa com uma Amélia pra ter filhos e tem dúzias de amantes pra conseguir sobreviver (pensa que é Vinícius). E se não tem, fica azedo, mal humorado e tão infeliz quanto a esposa. 

Ele disse que é por isso que estou sozinha. Pode ser, meu poeta. Mas não vou me fazer de besta só pra segurar marido, não. Estar só é uma arte, uma necessidade, todo poeta sabe disso. Somando todos os momentos que passei acompanhada por pessoas interessantes que depois seguiram seu rumo, cheguei a conclusão que tenho mais horas felizes do que a maioria das mulheres casadas que conheço. Até porque a maioria das esposas não conhece o próprio marido e a maioria dos maridos deixa de se interessar pela esposa assim que ela se torna mãe.  Viver uma vida inteira com uma pessoa só e não conhecê-la é um desperdício de vida, é quase um crime. Mas isso não tem importância nenhuma nesse momento. Vamos mudar de assunto, poeta. Que tal dar uma volta em Itapuã, tomar uma cachacha de rolha...

Vinícius não pode passear comigo. Estava todo amarrado, preso em fitas de isolamento. Disseram que prenderam ele porque andou aprontando umas por aí e não que mais ficar plantado naquela praça conversando com turista besta feito eu. Senti pena dele preso daquele jeito. Que dó. Um poeta que sempre prezou tanto pela liberdade...

Tardes em Itapuã IV - Orixás

O tempo virou mesmo. Os últimos dias foram  de vento forte e chuva. Muita chuva. O povo daqui diz que fui eu, a curitibana, que trouxe esse temporal fora de época pra cá. Poderosa eu. Só não consegui fazer o tempo esfriar.  Tudo esquenta por aqui...
A pousada tem uma biblioteca. A maioria dos livros é de engenharia e no idioma esloveno. Na pousada Poesia, na rua da Poesia não tem livros de poesia. Pode? Inconcebível. Já registrei minha queixa e os simpáticos donos da pousada vão tratar de por poesia nas prateleiras e paredes.  Começando pelos meus livros de deixei eles.
Tempo feio...
_ O Tempo dá, o Tempo tira, o Tempo passa e a folha vira.

Quem me falou isso foi uma soteropolitana chamada Jacira...

Só acontece nas Segundas Autoriais do Bardo Tatára

    
Isso aconteceu na Segunda Autoral do Bardo Tatára. Gravei um trechinho só, com meu celular, perdoe a qualidade ruim, mas procurei alguma gravação do Jambo na Internet e não encontrei nada. É imperdoável pois ele é muito bom. Fazia mais de um ano que eu não o via/ouvia., ele foi embora de Curitiba... Estávamos com saudade, amigo.

O Jambo tem um estilo de tocar violão clássico misturando com  flamenco e MPB, além de compor e cantar maravilhosamente bem. É o tipo de músico que explora todos os recursos do violão e da vóz, até mesmo onde as cordas não alcançam. Se alguém tiver um clipe melhor dele, por favor me envie, pois esse não está à altura desse "monstro".

Outra novidade dessa segunda autoral, foi a presença do artista Carlos Trincheiras, devidamente caracterizado, pintando ao vivo as músicas que estavam sendo interpretadas no palco.  Carlos é português, morou um tempo em Curitiba, depois correu o mundo fazendo exposições de suas obras. A semelhança do nome não é mera coincidência. Ele é filho de Carlos Trincheiras, o mais famoso coreógrafo do Balet Guaíra. No foto abaixo, ele aparece pintando um exército de samurais enquanto o Jambo tocava e o Rafa Gomes cantava "Quase", a música que tem parceria comigo. No final da noite, suas telas foram leiloadas. Eu comprei essa belezura para presentear ao meu filho Ébano. 
Carlos Trincheiras - pintura de música, ao vivo
 Também filmei com meu celularzinho pra guardar de lembraça a cena inusitada da minha roqueira preferida, a Francine, de pé quebrado,  cheia de ferragens e muletas, cantando com o Tatára.
 

Eu nunca acreditei em Papai Noel



Não lembro exatamente quantos anos eu tinha quando comecei a ouvir falar do tal do Papai Noel. Mas eu já tinha uns oito ou nove anos de idade e estava no terceiro ano primário, provavelmente, já que os dois primeiros anos estudei numa escolinha rural e lá nunca se ouvira falar desse personagem esquisito.

O fato é que, quando uma coleguinha da escola da cidade me perguntou o que o Papai Noel ia me trazer de presente de Natal, respondi que meu pai se chamava Francisco e não Noel. E naquele Natal não ganharíamos nada porque a seca matara toda a plantação e não tínhamos dinheiro para pagar pelos presentes.