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Prosa Ser poeta

Ser poeta

Dizem que dia 20 de outubro, é dia do poeta. 
Foi ontem. 
A poesia não me trouxe nenhum presente, nenhuma lembrança do passado. 
Nem apareceu. 
Devia estar ocupada com poetas maiores.
Recebi vários poemas de amigos e percebi que não fui a única a ser desprezada pela musa.
Na ânsia de homenageá-la, muitos dos seus súditos escreveram qualquer coisa, como estou fazendo agora. 
Nada espetacular. Nada de novo. Fazer o quê, né?
Poeta é mesmo um ser que não cabe em si.


Palestar é preciso


E por falar em poesia...
Hoje estive num colégio estadual falando sobre poesia e prosa para um grupo de adolescentes do ensino médio. Estavam na semana cultural e podiam optar por vários tipos de assunto, como teatro, musica, esportes, pintura etc.
Fiquei surpresa quando vi mais de 20 alunos entrando livremente na sala, tanto pela manhã quanto à tarde, para ouvir poesia. O mundo ainda não está perdido, pensei.
Nos primeiros minutos, muito agitados, testando meus limites, fazendo questão de mostrar aquele ar de desinteressados natural dos adolescentes estampado no rosto sem espinhas (os tempos mudaram...).

Fui jogando iscas. Interpretando poesias e prosas curtas, observando as expressões até perceber que tipo de tema mais interessava àquele grupo. Estranho... Eles se aquietavam quando eu lia poemas de rebeldia, de dor, de desamor. E também quando a prosa (li algumas crônicas), utilizava palavras consideradas pedagogicamente incorretas, isto é, palavrões, gírias. Lancei mão desse tipo de linguagem para atraí-los. Depois foi fácil. Já estavam fisgados e ouviam tudo o que eu queria dizer. Até poemas de amor e ecologia.

Na próxima semana, falarei para 1200 professores. Agentes de leitura que trabalham nos  Faróis e Bibliotecas Escolares de Curitiba, uma rede de bibliotecas que ajudei a implantar. Estou apreensiva. Que tipo de assunto atrairá a atenção desses professores? O tema que me propuseram foi “Poesia Encantamento e Arte – Tecendo uma rede de leitores”. 

É engraçado... costumo recitar em bares, cafés, inaugurações, para um público adulto, heterogêneo, que nem imagina que vai tropeçar numa poesia. E faço naturalmente, sem me preocupar.  Mas, com para um  público de crianças, adolescentes ou professores fico deveras apreensiva... A figura do professor ainda me intimida.  Tenho a impressão que estão sempre tentando extrair minha raiz quadrada, fazendo a análise sintaxe do meu texto, procurando erros ortográficos no meu sujeito oculto...

Mas, vamos lá. Estarei em ótima companhia. Muitos outros escritores e artistas estarão tentando “encantar” esses professores durante os três dias do III Encontro da Rede de Bibliotecas Escolares de Curitiba, para que continuem motivados e interessados em tecer uma grande rede de leitores. O que será mais difícil para mim, será dizer "bom dia" e não "boa noite" como estou habituada

ESCRITORES CONVIDADOS

Adélia Woelner
Alexandre França
Glória kirinus
Liana Leão
Marilda Confortin
Marina Colasanti
Roseana Murray

Maria e José


(Da série: “histórias secretas de amigos e inimigos” – por Marilda Confortin, com a co-autoria e cumplicidade das personagens)

- Oi. Você é São Caetano?
- Não. Sou Santa Maria e você?
- Atlético. Vai me dizer que você é Coxa Branca?
- Sou. Bem branquinha.
- Ah! Que merda. Então porque está com essa blusa azul-são-caetano?
- Não é azul-são-caetano. É verde-coxa, homem.
- Como teus olhos.... verdes e profundos como o mar.
- Não são verdes! São azuis. Você é daltônico?
- Não. Eu sou José. E você é...?
- Já falei, sou  Maria.
- Maria e José. Que romântico... To a fim de fazer uma arte contigo hoje, Maria. Você faz arte?
- Eu faço poesia, serve?
- Não era bem isso que eu tava pensando... sou engenheiro, não entendo nada de abstrato. Só de concreto.
- E eu sou poeta e não entendo nada de cantadas. 
- É...já vi. Pra quem você torce na primeira divisão?
- Torço pro resultado ser exato. De preferência igual a zero. Tenho pena do resto da divisão. Ninguém liga pro resto da divisão. Ninguém compreende uma dízima periódica... Não gosto de divisão nem subtração. Só de soma e multiplicação. 
- Eu to falando de futebol, sua loira burra!  Do campeonato paranaense. To falando de bola desenhando uma parábola no ar e procurando um par de pernas pra entrar. Gooool.
- Ah... Eu não entendo nada de futebol e a única parábola que conheço é a do filho pródigo. Porque raios você me abordou?
- Pra me livrar do cara chato que tava sentado aí do meu lado. Ele é um saco.
- Humm...  e precisava ser salvo pelo gongo...
- Isso! Por um lindo gongo azul.
- Tinha um gongo no meio do caminho. No meio do caminho tinha um gongo. Conhece esse poema?
- Era um gongo? Por isso nunca entendi esse poema. Pensei que era uma pedra. Você já escreveu alguma poesia?
- Sim. Várias. 
- Sério? E tem algum livro publicado?
- Mais de meia dúzia. Quer um?
- Você é uma escritora famosa? Agora fiquei nervoso. E quando fico nervoso preciso mijar. Não saia daqui! Nunca conheci uma poetisa viva...  Péra aí tá? Deve ser bem interessante... poetisa é? Essa é nova prá mim.
E ele foi mijar.
Bar da Brahma cheio. Minhas amigas na mesa, de mini-saia, pernas bronzeadas, lindas, solteiras loucas pra dar e nenhum cristo cantando elas. Eu, casada, cansada de brigar com o marido, de porre, com uma blusa emprestada, ridiculamente verde e um cara pedindo para eu esperar enquanto ele mijava. Pode?
Só quero ir pra minha caminha. Sozinha. Curar esse pilque...
- Esse cara tem barulho de trem na cabeça. - disse Cinthia, minha amiga.
- Tem mesmo, confirmou Celita - a dona da blusa verde-coxa que eu usava. Barulho de carroça vazia...
Chamei o garçon e pedi uma Skol.
- Não tem Skol aqui. Só Brahma - disse ele.
- Não gosto de Brahma. Me dá uma coca-cola.
O garçom ficou me olhando com aquela cara de ponto de interrogação, apontando pra  placa com o nome do bar e disse:
- Qualé, dona? Não percebeu onde a senhora está ?
- Não entendi. Onde estou?
Ele falou bem baixinho no meu ouvido “a senhora está no bar da Brahma”.
- É? E daí? É proibido beber neste bar? 
Indignado ele disse que só tinha Pepsi.
- Não gosto de Pepsi. Então me dá um guaraná Antártica. Preciso repor glicose.
O cara ficou mais puto ainda, me xingou de burra e não me trouxe nada.
Garçom bobo e mal criado. Eu lá quero saber quem fabrica o quê. Só quero beber, pô.
Foi quando o tal engenheiro voltou.
- Fez xixi? – perguntei.
- Homem não faz xixi. Homem mija, mulher. Mijo sai do pinto, caralho! Nossa senhora, que pernas!
- Pare de olhar pras pernas das minhas amigas, seu tarado!
- Tira os seus peitos do caminho que eu quero passar com a minha dor... lembra dessa música?
- Lembro. Do Nelson Cavaquinho, né? Mas não é peito. É sorriso. Vamos falar de engenharia, que é a tua praia. Eu gosto de teodolito e papel vegetal. E você?
- Teodolito?
- É divino. Nunca comeu? Teo é Deus? Um enorme Deus em forma de pirulito embrulhado numa folha de papel vegetal transparente. Papel vegetal não é a salada preferida dos engenheiros?
- Você é louca ou o quê!
- Sou o "quê".  E você é muito engraçado.
- Tá me chamando de palhaço? Sou engenheiro. E dos bons. Acha que não entendo nada de arte, é? Pois na última palestra, abri a apresentação com uma imagem da Pedra da Gávea para mostrar o que é uma obra prima divina. Sempre passo um pouco de poesia e cultura para essa piazada burra que sai da faculdade.
- Isso é bom. Eu também uso algumas metáforas nos cursos. Falei das Cidades Invisíveis, do Calvino e citei um poema do Leminski na última apresentação de Tecnologias que fiz.
- Eu já ouvi falar desse tal Calvino. E li o Catatau mas não entendi patativa nenhuma. Não gosto desse polaco.
- Eu gosto dele. Até tomei umas vodcas Majakowkj com ele. Era fabricação minha e de um amigo chamado Douglas. 
- Porra... Quem é você? Fabricava e tomava vodca com o Leminski?
- Tomei, e daí?
- Mas ele está morto! Você é fantasma por acaso? Uma alucinação alcólica?
- Calma. Ele estava vivo ainda. E eu estou estou viva também... acho. Se eu morrer amanhã você vai dizer que me conhecia e que eu era uma boa pessoa?  
- Não sei se você é boa. Ainda não te comi. Amanhã te digo. Tenho cara de tio?
- Tem. Por quê?
- Porque não sou mais tio. Hoje eu fiquei avô.
- Sério? Parabéns, vovô!
- Nasceu hoje de tarde. É uma coisinha tão feinha, uma bolinha murcha, enrugada, toda enroladinha...
- Que lindinha!  Você deve estar feliz com a netinha.
- To sim... to muito feliz... Vou ter que sustentar mais uma boca. Eu quero é pegar aquela bolinha de meia, enroladinha em cueiros e fazer embaixadinha com ela no corredor da maternidade e chutar pro gol. Gooooool! Já pensou? Uma bolinha viva saindo pela janela procurando um gol? Uma bola de gente, inteligente cantando "Atlético, Atlético! Conhecemos seu valor e a torcida rubro-negra..."
- Fanático. Pare com isso. É tua neta.
- É neto. Macho! Tem duas bolas. Eu tenho três filhas, uma mulher e uma sogra que mora comigo. Estou cheio de mulher. Não agüento mais mulher na minha vida. Elas não me deixam chutar a bolinha de gente. Dizem que vou quebrar os vidros do berçário.
- Três filhas, mulher, mora com a sogra e agora tem um neto... era só que me faltava. Você disse que era separado...
- E sou. Tô dormindo na sala. Desde ontem.
- Briguinha a toa. Dói um dia e depois passa.
- A única dor que sinto é nas costas. Tem uma mola solta no sofá...
- E você, tem um parafuso solto na cabeça. Por falar nisso, to com sono.
- Eu também. Vamos dormir?
- Vamos.
E fomos dormir. Literalmente. Cada um no sofá de sua própria sala.
O quê você esperava  de uma história de Maria e José que se passou num bar, com dois cinqüentões torrados, frustrados, infelizes, as quatro horas da madrugada em pleno século XXI numa cidade fria como Curitiba? 
Que nesse cruzamento inusitado nascesse um lindo jesuscristinho, que perdoasse todos os nossos pecados, curasse nosso porre e nos devolvesse o paraíso? 
Cai na real, Zé!
E foram infelizes para sempre
.

O vampiro de Curitiba


Dizem que um vampiro só entra na casa da gente se for convidado.
Mentira! 

O Dalton Trevisan nunca aceitou convites para almoçar ou jantar,
mas, conhece todos os cômodos da nossa casa.
Disfarça-se de traça e fica lá na cabeceira da cama, no meio dos outros livros.
Quando dormimos, escapa sorrateiro.
Cheira nossos lençóis, vê com quem dormimos, fotografa nossos pesadelos, abre gavetas, invade o quarto da empregada, revira o lixo recolhendo provas de nossos crimes. Espia o banheiro, compara e conta os fios de cabelo perdidos na pia, cheira a escova de dente, abre a geladeira, lê nossa correspondência e senta-se confortavelmente na poltrona da sala para ler os classificados no jornal do dia anterior.
Tempos depois, lemos um conto que nos parece muito familiar...
É... o Dalton, entra na vida de todo mundo, mas não deixa ninguém entrar na vida dele. Vampiro!

Dizem que hoje (14/06) ele faz aniversário. 85 anos. Será? Se não fosse por uns parentes dele que conheço, diria que o vampiro nem existe. 

Por via das dúvidas, vou deixar um pedaço de bolo na estante.
  Feliz aniversário, Dalton!