CAMISA DE FORÇA


Ai! Como eu queria chutar o balde...
Largar tudo o que houver no arrebalde
e mandar às favas.
Dormir encoxada com a preguiça,
cuidar bem da premissa:
Nem sempre mangas
precisam ter cavas.

Anair Weirich - Chapecó - SC

(esse "chute no balde" me veio por email, da minha prima, poeta Anair. 
pois é, prima... às vezes, até a poesia aprisiona...)

FINAL DE TARDE - de Tonicato Miranda

Final de tarde

para Helena Kolody

felizes os que morrem com a tarde
finando seu ciclo de claridade e luz
felizes daqueles diante de um copo
a mirar a própria lágrima derretida

felizes os seres estes que mugem
vejo o azul cobalto na flor do maracujá
vejo um prego coberto de ferrugem
e belezas na luz da tarde a soçobrar

felizes os que sabem um sopro soprar
beijando no lábio a musa tão querida
ah esta tarde derramando-se na noite
leva-me contigo onde outras tardes há

feliz aquele que perdoa sua tristeza
nada mais vejo agora no céu a chorar
a folha da palmeira antes pura beleza
foi a casa sonora de um pio de sabiá

não há mais felicidade morando aqui
saudade da janela e de um pé de piqui
arrastando folhas a murmurar: estou aqui
minha cara boba a dizer: eu vi o piqui cantar

o cinza já derreteu todas belezas do ar
e a cor é somente luz, já disse Helena
sinto a lavanda dela a pairar no ar, a pairar
e sua alegria dos dentes à mais longa melena

feliz você que já partiu, não viu esta tarde
onde me ponho a chorar como chaleira velha
saiba, mesmo cinza a tarde é linda como árvore
qual aquela no terreno ao lado a me namorar

Curitiba, 23/2/2011.
TM
Tonicato Miranda

música ... e por falar em lua

Uma bela parceria minha com Jazomar Rocha, do Quintal da Goiabeira. Está no CD SAMBA CURITIBANO E SUAS RAÍZES. Vale a pena conhecer esse trabalho.



E por falar em lua ...
(poema de Marilda, música de Jazomar)

O por do sol ainda sangrava
e no horizonte já despontava
uma lua recém nascida
pálida e desmilinguida.

Pobre lua prematura
Frágil, nua, com frio
Perdida lá nas alturas
Presa ao mar por um fio.

Órfã dos lobos e crateras,
nasceu sem manto de estrelas
sem um seresteiro a espera
para batizá-la na viola.

Boêmios ainda dormindo
Amantes flagrados nus
Nenhum poeta assistindo
Vagalumes sem luz

Pobre lua, luazinha!
Como eu, nasceu sozinha
Sem berço pra se embalar
Sem ninguém para abraçar.

Pra te ninar, luazinha,
eu fiz esta canção
Pra te mimar, menina
Pra amenizar nossa solidão.

Grafitix IRPF

este é do meu baú. mas sempre que começo a fazer o imposto de renda, ele vem à tona.

poesia Chutando o balde


Tudo bem...  Aperte o pause.
Temporariamente tentarei fazer tua vontade.
Vestirei a máscara imposta pela sociedade hipócrita.
Serei submissa, rezarei conforme a missa.
Negarei minhas raízes,
pintarei o cabelo,
arrancarei os pelos,
seguirei teus rituais idiotas.
Tudo bem...
Serei tua Amélia: discreta, apática e quieta.
Vestirei roupa de carola e fingirei orgasmo, se isso te consola.
Assistirei novela, big brother e toda essa balela da televisão.
Mas tem uma condição:
Tens de admitir pública e religiosamente que admiras
essa criatura burra e negligente que me tornarei.
Que é comigo que queres ter filhos.
Herdeiros que, pela lógica,
seguirão nossos trilhos e serão medíocres,
babacas, vulgares, corruptos.
E nos darão netos e bisnetos estúpidos,
que se unirão a outros estrupícios de gente.
Até que, no futuro,
nossa geração decadente e burra
exploda o Planeta.
Topas?
- Topo.
Ta louco!
Meta essa coleira na primeira anta ignorante
que aparecer na tua frente. 
Eu tô caindo fora.
E é agora!

apelo e aroma

Poemas dos amigos paulistas, Edna e Sérgio, do primeiro grupo de poetas virtuais. De virtuais não temos mais nada... sempre nos encontramos por aí, com ou sem poesia. Com sorte nos veremos no congresso Poetas del Mundo, em Blumenau.

Apelo

Desejo surdo

toque em mim
se foi criado mudo
 

Musa ( Edna Della Libera)


Aroma

assim como os místicos que leem
a sorte na borra de café,
assim como a mulher
que é inesquecível,
os poetas também vivem
por um gole.

Momentinho (Sérgio Edvaldo Alves)


Entrevista concedida a Selmo Vasconcelos

 


Porto Velho, RO

 AS CIDADES INVISÍVEIS




Trecho do livro AS CIDADES INVISÍVEIS – Ítalo Calvino

“A cidade de Leônia refaz a si própria todos os dias: a população acorda todas as manhãs em lençóis frescos, lava-se com sabonetes recém-tirados da embalagem, veste roupões novíssimos, extrai das mais avançadas geladeiras latas ainda intatas, escutando as últimas lengalengas do último modelo de rádio.
Nas calçadas, envoltos em límpidos sacos plásticos, os restos da Leônia de ontem aguardam a carroça do lixeiro. Não só tubos retorcidos de pasta de dente, lâmpadas queimadas, jornais, recipientes, materiais de embalagem, mas também aquecedores, enciclopédias, pianos, aparelhos de jantar de porcelana: mais do que pelas coisas que todos os dias são fabricadas vendidas compradas, a opulência de Leônia se mede pelas coisas que todos os dias são jogadas fora para dar lugar às novas. Tanto que se pergunta se a verdadeira paixão de Leônia é de fato, como dizem, o prazer das coisas novas e diferentes, e não o ato de expelir, de afastar de si, expurgar uma impureza recorrente. O certo é que os lixeiros são acolhidos como anjos e a sua tarefa de remover os restos da existência do dia anterior é circundada de um respeito silencioso, como um rito que inspira a devoção, ou talvez apenas porque, uma vez que as coisas são jogadas fora, ninguém mais quer pensar nelas.
Ninguém se pergunta para onde os lixeiros levam os seus carregamentos: para fora da cidade, sem dúvida; mas todos os anos a cidade se expande e os depósitos de lixo devem recuar para mais longe; a imponência dos tributos aumenta e os impostos elevam-se, estratificam-se, estendem-se por um perímetro mais amplo. Acrescente-se que, quanto mais Leônia se supera na arte de fabricar novos materiais, mais substancioso torna-se o lixo, resistindo ao tempo, às intempéries, à fermentação e à combustão. E uma fortaleza de rebotalhos indestrutíveis que circunda Leônia, domina-a de todos os lados como uma cadeia de montanhas.
O resultado é o seguinte: quanto mais Leônia expele, mais coisas acumula; as escamas do seu passado se solidificam numa couraça impossível de se tirar; renovando-se todos os dias, a cidade conserva-se integralmente em sua única forma definitiva: a do lixo de ontem que se junta ao lixo de anteontem e de todos os dias e anos e lustros.
A imundície de Leônia pouco a pouco invadiria o mundo se o imenso depósito de lixo não fosse comprimido, do lado de lá de sua cumeeira, por depósitos de lixo de outras cidades que também repelem para longe montanhas de detritos. Talvez o mundo inteiro, além dos confins de Leônia, seja recoberto por crateras de imundície, cada uma com uma metrópole no centro em ininterrupta erupção...”


QUALQUER SEMELHANÇA COM A REALIDADE 
É MERA COINCIDÊNCIA?