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Poesia Último almoço




Último almoço

(Quem vai pagar a conta
dessa falta de fome
que nos consome?)

Não há mais nada interessante
nas paredes do restaurante.
Os velhos marujos de gesso
nos conhecem pelo avesso.
A coleção de nós de corda de navios
combina com nossos laços frios.
As teclas do piano
desafinaram com os anos.

Nada mais nos desafia,
Não nos afinamos mais.

Somos um quadro antigo,
jogado às moscas,
num restaurante falido.

Não adianta disfarçar,
falando do tempo.
Não vai chover,
nem esquentar,
nem esfriar.

Não há mais tempo.

Poesia Origens

Origens

O que me faz escrever
é a vontade de recuperar
minhas vontades.

Eu queria que as palavras
pingassem como chuva,
regando as folhas de papel,
que um dia foram árvore.

Queria devolver a vida
às florestas abatidas.

Queria que meu pensamento
deslizasse livre como o vento,
sem escolher caminhos
nem pedir permissão
para se expressar.

Desaprender o pensar.

Abrir os olhos
e deixar o sol iluminar meus escuros,
germinar as sementes que plantei 
quando ainda não sabia o que sei.

Onde deixei minhas ganas?
Tanto investi em cultura
que perdi o instinto natural.

Era só deixar a natureza agir...

Usei adubo químico,
sementes hibridas, herbicidas.
Matei as pragas
e as esperanças também.

Eu só queria sentir agora
o gosto puro da amora
antes do pecado original.

Poesia Óleo sobre tela


Óleo sobre tela

Pouso meus olhos sobre telas de Van Gogh.
Deito-me ao lado do ceifador
e adormeço sobre feixes de trigo.

Cena familiar.

Cedo ao sonho.

Retrocedo à infância.

Vejo-me criança, pura
como a loucura do pintor.
Inerte, braços abertos,
no meio do trigal maduro,
fingindo-me espantalho.
Um gérmen ainda.
Nem sabia o que era poesia
e já sentia.

Os pássaros pensam
que meu cabelos brancos
são feixes de palha.
Espanto-os.

Da janela do sanatório
Van Gogh se espanta

e borra um corvo sobre o campo de trigo.

Acordo.
Kurosawa sonhou comigo?

Marilda Confortin



Poesia Dia insosso

Dia insosso

O dia amanheceu de mansinho
sem alarde,
como um passarinho
que acorda tarde.
Não deu um piu,
não se anunciou,
não fez frio
nem esquentou.

E foi passando assim
bem devagar
como se durasse uma eternidade.


Lá pelas dezessete
tomei um pingado
comi um chineque
que dia gozado...

A hora do Ângelus
passou sem trombetas
e no mesmo trilho
a noite veio,
preta, sem brilho.
Que dia mais feio.

O sono perdeu o trem das onze
quem sabe chegue de madrugada
já estou meio zonza
de tanto não fazer nada.

Poesia LA NEGRA

para Mercedes Sosa


Hoje acordei com saudades de ti
grande borboleta.

Lembrei de tuas asas pesadas
voando pelos caminhos escuros
das revoluções, opressões, ditaduras.

Tua voz na voz dos amordaçados,
teu colo acolhendo párias,
teu tambor fazendo árias no meu peito.

Voltei aos dezessete
e recuperei a lembrança
de um amor adolescente.
Que belo presente, Negra.

Agradeci à vida por ter te conhecido,
por ter vivido no mesmo período,
por me alertares sobre os perigos
das minas, das sinas, das chacinas.

Ninastes meus negritos, palomita...

Me ensinastes a amar Chico,
Milton, Violeta, Atahualpa...
Sinto tua falta.

Quando fraquejo, te ouço.

Desejo tua coragem,
tua luz, tua inteligência.
Te visito com frequência
em sonhos, sons, imagens.

Alojo-me em teus braços, miragem.

Aqueço-me em teus fartos lenços,

choro e oro
“ Solo le pido a Dios
que el dolor no me sea indiferente,
que la reseca muerte no me encuentre
vacía y sola sin haber hecho lo suficiente”.


Poesia Achados e perdidos

ACHADOS E PERDIDOS

euzinha, no terceiro ano primário


Perdi minha sacola de pano
do terceiro ano.
Nela estavam meus planos,
valores, ideais e amores.

Eu nem sabia que o conteúdo
da sacola seria tão importante
para a minha vida, meu futuro.

Eu nem sabia que carregava um tesouro.

Tinha um caderno de desenho
onde rabisquei um dia
uma estrada que nascia do nada,
e terminava dentro da minha própria casa.

Um anel de noivado
preso à uma bala
que ganhei
do primeiro namorado,
uma listinha de pecados
e um agnus day.

Uma borracha macia
que apagava erros,
uma bolacha Maria,
uma nota de um cruzeiro.

Uma régua, um apontador,
um compasso, um penal,
uma declaração de amor
e a letra do Hino Nacional.

Poesia Um tris(te)


para Tonicato Miranda


Ele me contou que Chet Baker voou sem 
as
   as
       as 
e desde então
o jazz
     jaz
em seu coração 

Ele disse que tem vontade de 
partir
       ir
para um lugar onde a esperança
é amar
              ela
e o amor
                            não é blues

Ele não sabe que a cor do amor
é roxa
rocha
precipício
          vício
     silêncio

Ele diz que está quase
por um triz
e triste
insiste
que existe
um lugar no futuro
onde tudo é calma
                        alma
                     escuro

Ele está mal

Acho que é seu jeito de me desejar
um Feliz Natal.

Poesia Arrependimento



Arrependimento


Foi tardio aquele medo
aquele arrepio
que percorreu minha espinha
e aquele suor frio
que escorreu pelo braço.

Na garganta um “que é que eu faço?”
entalou,
engasgou,
saiu resmungo,
ninguém neste mundo
poderia entender.

Porém,
tardia também saia tua voz
quando entre nós
jazia a nudez

e uma vez feito
nada arrancava do peito
aquele vão

nem minha mão leve,
nem teu tom breve
e macio de falar
quão tardio foi amar.

(Marilda Confortin)

Poesia Insenatez

In sensa tez


Posso até ver tua tez tensa
por detrás das letras impressas
e ouvir o silêncio das reticências
das palavras presas na garganta.

Renuncias até a ofensa.

O esforço de amar já não compensa...
Começar tudo de novo
dá uma preguiça... não é?

É.... Pra quem sabe de cor a missa
Já não há mais surpresa na fé.

Um acordo com a Poesia


Façamos um trato:
Chega de maus tratos.
Estamos sempre por um triz
e nunca gozamos.
Libertemo-nos.

Eu escolho o lugar
e tu o clima.
Entro com o vinho
Tu, com a rima.

Tanto faz:
Na tua casa
ou na minha.

Sejamos voyeur um do outro.

Tu escolhes minhas companhias,
eu as tuas.
Entras com a lua,
eu te faço festa.

Espiaremo-nos pelas frestas.

Seremos complacentes
com crianças e adolescentes,
mas exigiremos o máximo
dos boêmios e dos clássicos.

Então tá, minha musa:
Eu te uso, tu me usas.
Estamos livres
pra (na)morar outros livros
e desaguar em qualquer mar.

(marilda confortin)

Poesia Dolorosa lembrança


Pensar em você
é me saber vinho
lembrando tempos de uva
esmagada sob seus pés.

É me saber trigo,
pressentindo o calor do forno
queimando-me pão.

É me sentir homem,
segurando o gozo,
temeroso do retorno ao útero.

É conter o orgasmo,
prevendo a dor do aborto.

Pensar em você
é sentir um vazio imensurável
como se Deus, por um momento,
duvidasse de sua própria existência.

(marilda confortin)

Poesia Sofrer de Gota

GOTA
(para um amigo que sofre de Gota)

Ao saber que meu amigo sofria de “gota”,
fiquei deveras curiosa.
Como será essa doença misteriosa?

Procurei o professor Aurélio
para saber quão sério era o problema.

Ele me respondeu de um jeito feio,
que “Gotha foi um avião alemão
usado para bombardeio”.

Sério, Aurélio?
Um avião do século passado
caiu no dedão do meu amigo do coração?
Que estrago!

Achei meio estranha aquela explicação
e resolvi então pesquisar mais um pouquinho.

Mais adiante estava escrito,
de um jeito bem mais bonito,
romântico, quase poético,
que gota era uma partícula de líquido
transparente em forma de esfera ou pêra.

Pêra?
Péra aí!
Todo esse tititi
por causa de uma gotícula ridícula no pé?
O que é uma gota para um oceano, mano véio?
Isso não pode causar tanto dano!

Os homens são mesmo fracos.
(vai vê que é por isso que Deus lhes deu saco).

O pai dos burros já perdendo a paciência
me disse que gota dolorida
é outra história bem mais comprida:

"É uma forma hereditária de artrite caracterizada por hiperuricemia
 e recidivas paroxísticas agudas que ocorre numa articulação periférica."

Tem dó, dotô!
Eu sô caipira, pira, porra!
Traduza esse troço, moço!

Perguntei ao oráculo da net
qual era a causa desse castigo
que caiu sobre meu amigo:

"Elevação do ácido úrico no sangue gerando depósito de cristais de monourato de sódio"

Ai carmaba! Meu amigo é um Minotauro!
E tão sovina que guarda até a urina
pra transformar em cristal!

Que mania de acumular riqueza!
Se gastasse tudo em cerveja
se livraria desse mal.

Disseram que:
"A crise inicial
duraria de 3 a 10 dias
e desapareceria completamente.
O paciente voltaria a levar vida normal
e esqueceria o tratamento,
até que num momento de distração,
Poderia ter outra crise
e o infeliz lembraria do que foi prescrito....”

Hummm.... Que bonito isso...
Parece definição de paixão.
Quando a dor passa a gente esquece,
até que acontece tudo de novo...
Amor e gota, entram num círculo vicioso.

Bom, por ora, desejo melhoras
ao meu amigo gotoso.
E espero que esse lero-lero
Não o tenha deixado nervoso.
(marilda)

Poesia Ode ao bar

eu, que flagra!


Certos bares
são como lares
que nos acolhem
que nos escolhem
para adotar.

Órfãos que somos
em noites insones
lobo sem dona
loba da estepe
valetes e damas
vão se encontrar

Certos bares
são como Hermes
de saudosos bardos
Prados, Cardosos,
Walmores, Bias,
Cachorros Loucos
pela poesia.

Certos bares
são relicários
Kappelle, Stuart,
Alemão, Pudim,
Becks, Batata,
Bife, Tatára
tomara que seja
sempre assim

Entre um bar que abre
e outro que fecha
tem sempre uma brecha
onde a poesia
namora escondido
com a boemia.

Curitiba é o bar
e o bar é o mar
que não se comporta
que abre a porta
e se deixa vazar.

Curitiba é o bar
e o bar é o mar
onde a musa
da música
vai se banhar

5 poemas de amor e ódio

Cinco poemas de amor e ódio escrito a 2 mãos apaixonadas
Por: Douglas Pereira e Marilda Confortin


I

Não há mais laços.
Só sobraram os nós.
Rotos, partidos.
Soçobramos nós.
Bagaços, feridos.

E quem tira essa ira que nem sei onde mora?

Tem hora que sinto na boca,
no oco do estômago,
no buraco do peito,
no escuro do olho,
nem sei direito.

Se eu me der um soco, você vai embora?

Preciso expurgar você de meu corpo,
vivo ou morto.

Como arrancar você de mim,
se estou cheia de você?
Se tem farpas suas em todos os meus cantos,
em todos os meus contos,
em todos os meus versos.

Se tem restos de sua saliva na minha boca,
estrepes de você nas minhas unhas,
ódio de você infeccionando minha alma.

Como tirar você da minha vida,
se não tenho mais vida?

Quando se odeia o próprio amor,
não se quer matar
se quer é morrer(Marilda)

II

Morrer não adianta.
Cada farpa de mim
continuará em tua alma
e ainda que o fim fosse
um fato consumado
eu perduraria no teu pó
além do tempo en que fui amado.

Se tu queres ser o nó
eu serei a corda
onde está amarrado
teu ódio e tua ira
que eu chamo de amor
e alimenta o gosto
que minha boca tem provado.

Se vais me odiar até a morte
hei de matar-te toda noite
e acordar dia a dia
no teu seio acomodado(Douglas)


III

Tu mentes!
Tua mente é doente
teu beijo envenena
teus braços, algema
teu semen, praga.

Te amei com suavidade vaga,
lambi teu suor,
salguei tua carne,
mas hei de te odiar
com fúria das tempestades,
te queimar com a ira dos raios
e povoar tuas noites com pesadelos.

Quando acordares ao meu lado,
com teu corpo dolorido,
vais desejar ter morrido, bandido! (Marilda)

IV

Se digo mentiras
é por que gostas de ouvi-las
sussurradas em teu ouvido,
de costas,
enquanto minha doença te infecta
e meu veneno te cura
meus braços te prendem
e tua pele sua
untando-me de ti
iluminando raios
cantando trovões com canções
em fá sustenido
e quando eu acordar dolorido
vais me ver ao teu lado
e ao invés de bandido
dirás: - Bom dia, querido! (Douglas)

V

Então venha, desgraçado!
Me detenha, meu amado!
Arranca essa mágoa
que de mim se apossa,
extraia essa dor
que me empossa a boca
cessa o estertor
que embarga essa voz rouca.
Impeça meu grito,
minha fuga,
meu suicídio.

Te amarei por hora,
morrerei depois
com sempre foi(Marilda)

Poesia Velho boêmio

Velho Boêmio


Ele chega
atrasado, cansado,
se queixa,
amolece, enternece
e se ajeita em meu colo
pedindo consolo.

Daí ele pega e me beija
pergunta o que fiz,
nem espera e me diz
que tudo vai melhorar.

Fala que a lua
tá linda lá fora
e qualquer hora
me leva passear.

Vem com as mãos cheias
de bolhas (de samba)
e da manga do paletó
tira uma flor amassada
e me diz:
- Tó, amor, não fique zangada,
encontrei um amigo na estrada ...

Finjo que brigo
no fundo não ligo,
faz parte do jogo.

Jogado na cama
ele jura que me ama,
respondo: Eu também...
Agora e na hora de nossa morte amém.


Poesia Um brinde aos poetas



Um brinde!

Poesia é uma Flor Bela que Espanca,
fere, maltrata.
Poesia quando ataca provoca cirrose,
divórcio, taquicardia, tuberculose...
Poesia mata!
Por isso, os grandes poetas estão mortos.
Por isso, os poetas vivos são assim tão... tortos.
Só loucos, vivem a poesia em sua essência.
Em sã consciência,
a hipocrisia desta vida é insalubre,
arde feito urtiga e é mais fria
do que a vodka Maiakowski que consumia Leminski.

Por isso eu ergo uma taça e brindo
a todos os malditos poetas,
seres vis, errados
vicerados pelo avesso,
não servis,
citados,
anônimos e abominados
que rabiscam e recitam seus manuscritos
pelos botecos,
sebos,
saraus e feiras
livres prisioneiros da poesia.

Aos benditos que publicam e são lidos
e aos amaldiçoados ficam empoeirados,
empoleirados nas prateleiras,
criando teia,
esperando que um dia alguém os leia.

Aos que travestem a poesia com barro,
tinta,  efeitos virtuais,
acordes musicais
e passam pela vida despercebidos.

Um brinde aos que partem cedo
com medo de verem suas almas
sendo dissecadas por críticos estúpidos.

Poesia é de quem precisa dela, já dizia Neruda.
Se você não precisa,
não leia,
não ouça,
não toque!
Ela é como um feto:
precisa de calor e útero
e não de um fórcipe obstetra.

E mais um brinde
a todos aqueles que atuam à luz do dia,
nesse imenso palco,
de paletó, gravata, saia justa, salto alto,
e esperam impacientes a aposentadoria
para enfim, declarar seu amor pela poesia.

Aos entraram na fila errada
e estão neste mundo por engano
só para diversão dos deuses:
Não escrevem, não cantam,
não esculpem nem declamam.
Mas sentem, lêem, amam e acolhem
anonimamente a poesia em seus ventres.


Um brinde a todos os recipientes!

Poesia Confissão

Eu, pecadora, confesso:
Sou reincidente no amor.
Mas não mereço a pena
Careço é de pena, Meritíssimo!
Cristo disse:
“Amai-vos uns aos outros, como eu vos amei”
... acreditei!