ORAÇÃO DA VELHICE




Ó Senhor, tu sabes melhor do que eu que estou envelhecendo a cada dia.
Sendo assim, livra-me da tolice de achar que devo dizer algo, em toda e qualquer ocasião.

Livra-me, também, Senhor, deste desejo enorme que tenho
de querer pôr em ordem a vida dos outros.

Ensina-me a pensar nos outros e ajudá-los, sem jamais me impor sobre eles, mesmo considerando com modéstia a sabedoria que acumulei e que penso ser uma lástima não passar adiante.


Tu sabes, Senhor, que desejo preservar alguns amigos e uma boa relação com os filhos e que só se preservam os amigos e os filhos... quando não há intromissão na vida deles.

Livra-me, também, Senhor, da tolice de querer contar tudo com detalhes e minúcias
e dá-me asas para voar diretamente ao ponto que interessa.

Não me permita falar mal de alguém.
Ensina-me a fazer silêncio sobre minhas dores e doenças..
Elas estão aumentando e, com isso,  
a vontade de descrevê-las vai crescendo a cada ano que passa.


Não ouso pedir o dom de ouvir com alegria
a descrição das doenças alheias; seria pedir muito.
Mas, ensina-me, Senhor, a suportar ouvi-las com paciência.

Ensina-me a maravilhosa sabedoria de saber que posso estar errado em algumas ocasiões.
Já descobri que pessoas que acertam sempre são maçadoras e desagradáveis.

Mas, sobretudo, Senhor, nesta prece de envelhecimento,
peço: mantenha-me o mais amável possível.

Livrai-me de ser santo(a).
É difícil conviver com santos!

Mas um(a) velho(a) rabugento(a), Senhor,
é obra prima do diabo!
Me poupe!!!

Amém!
(Desconheço o autor. Se alguém souber de quem é, favor me comunicar)

Poesia Um brinde aos poetas



Um brinde!

Poesia é uma Flor Bela que Espanca,
fere, maltrata.
Poesia quando ataca provoca cirrose,
divórcio, taquicardia, tuberculose...
Poesia mata!
Por isso, os grandes poetas estão mortos.
Por isso, os poetas vivos são assim tão... tortos.
Só loucos, vivem a poesia em sua essência.
Em sã consciência,
a hipocrisia desta vida é insalubre,
arde feito urtiga e é mais fria
do que a vodka Maiakowski que consumia Leminski.

Por isso eu ergo uma taça e brindo
a todos os malditos poetas,
seres vis, errados
vicerados pelo avesso,
não servis,
citados,
anônimos e abominados
que rabiscam e recitam seus manuscritos
pelos botecos,
sebos,
saraus e feiras
livres prisioneiros da poesia.

Aos benditos que publicam e são lidos
e aos amaldiçoados ficam empoeirados,
empoleirados nas prateleiras,
criando teia,
esperando que um dia alguém os leia.

Aos que travestem a poesia com barro,
tinta,  efeitos virtuais,
acordes musicais
e passam pela vida despercebidos.

Um brinde aos que partem cedo
com medo de verem suas almas
sendo dissecadas por críticos estúpidos.

Poesia é de quem precisa dela, já dizia Neruda.
Se você não precisa,
não leia,
não ouça,
não toque!
Ela é como um feto:
precisa de calor e útero
e não de um fórcipe obstetra.

E mais um brinde
a todos aqueles que atuam à luz do dia,
nesse imenso palco,
de paletó, gravata, saia justa, salto alto,
e esperam impacientes a aposentadoria
para enfim, declarar seu amor pela poesia.

Aos entraram na fila errada
e estão neste mundo por engano
só para diversão dos deuses:
Não escrevem, não cantam,
não esculpem nem declamam.
Mas sentem, lêem, amam e acolhem
anonimamente a poesia em seus ventres.


Um brinde a todos os recipientes!

Cansado de Viagens - para Marilda Confortin


para Marilda Confortin



o ônibus, o caminhão, a estrada, a paisagem
Milton Santos na minha mão
a fazenda e verdes no meu olhar
nos ouvidos “Round Midnight” e um pistão

Chet Baker vai viajando-me os sentidos
morros e mais morros lá longe, na Terra
a paisagem de uma estradinha campesina
não a da Marilda, mas uma estrada de terra

verdes vão pontilhando meu olhar
um acordeon e argentinos nos ouvidos a castelhanear
mas o rio na minha visão é inteiramente brasileiro
verdes de doer a retina vêm se entregar

quais personagens me habitam?
para onde viajo tanto
singrando a pele do planeta
pra quê? se basta-me um só canto

qualquer dia desses salto no meio do caminho
e vou, como um boi indolente, tal uma rês
com saudades de todos vocês
mas vou, mas vou, e vou...

Tonicato Miranda
Interior de São Paulo
20/10/2009.





Obrigada pela homenagem, amigo Tonicato.
Sempre te imagino pedalando, não pelas ciclovias que você cria nesse nosso brasilisão afora, mas por uma estrada de terra que te leva a uma casinha na beira de um rio, com uma latinha cheia de minhocas, um caniço de bambu, um chapéu de palha, calças arregaçadas até quase no joelho, um livro da Helena Kolody debaixo do braço, uma expressão de paz no rosto e um sorriso maroto de menino que matou a aula para pescar.

Tonicado Miranda é um poeta curitibano. Tem vários trabalhos publicado. Foi um dos mais assíduos amigos da poeta Helena Colody. Foi livreiro, dono da Ipê Amarelo. Hoje trabalha com citymarketing, desenvolvendo projeto de ciclovias para as principais cidades brasileiras.

POETRIX, CORPO ESTRANHO

corpo estranho...


cisco no olho
quando te vi fiquei cega... 
de amor.

Adoção



Adotei uma pequena Solidão abandonada, que me rondava há anos.

Eu a conheci numa madrugada insone e fria, quando ela bateu à minha porta e me pediu pouso.

Dividimos um livro, um cobertor e um pedaço de pão. Quando amanheceu ela saiu sorrateira.

Desde aquele tempo eu já abrigava um monte de ilusões malogradas, alimentava um cardume de sonhos e cuidava de um velho amor moribundo. Isso sem mencionar o esforço que eu fazia para arrastar um caminhão de esperanças perdidas, sustentar dúzias de projetos fracassados e tratar de um bando de menores problemas abandonados. Meu orfanato estava sempre cheio.

Mas, nos últimos tempos, a tal Solidãozinha começou a me visitar freqüentemente.
Aparecia em plena luz do dia e passava o fim de semana lá em casa. Quando ia embora, a pequena ladra sempre me roubava uma esperança ou uma das minhas ilusões preferidas.

Começou a trazer amigas para jantar, a folgada. Conheci Saudade, sua fiel escudeira. Interessante, faladeira, criativa. Contava cada história... e sempre me trazia uma lembrancinha de presente. Tristeza, sua outra amiga, entrava sorrateira e se escondia pelos cantos, quieta, na espreita, só esperando um velho amor morrer, para tomar seu lugar. Menina estranha, a Tristezinha. É só eu me descuidar e ela já fica toda espaçosa e se instala na minha cama.

Meus pupilos preferidos são o Silêncio e a Paz. A pequena Solidão se deu muito bem com eles.

À vezes, eu tranco todos esses filhos bastardos dentro de um baú e fujo para a rua. Vou me divertir um pouco com Alegrias Passageiras. Elas são tão lépidas e bonitas. Pena que são efêmeras como as borboletas. Em pouco tempo se transformam e terríveis lagartas, prendem a gente em seus casulos e nos devoram.

Acho que além da pequena Solidão, vou adotar também a Saudade, o Silêncio e a Paz. São bem mais fiéis e confiáveis que as Alegrias Passageiras.

Por Marilda Confortin

Poesia Confissão

Eu, pecadora, confesso:
Sou reincidente no amor.
Mas não mereço a pena
Careço é de pena, Meritíssimo!
Cristo disse:
“Amai-vos uns aos outros, como eu vos amei”
... acreditei!


Causos poéticos

de Daniel Faria, para mana Marilda

Daniel e eu, conversando com JK

Causus poéticos

Seria preciso que um poeta, desses que andam na contramão do tempo, saudasse a tua história.

História construída com sangue italiano, suor, 
solidão e muitas cervejas.
Menina campeira correndo solta pelos alagados
e campos destas terras brasileiras.
Correndo atrás de boi, de vaca, de bicho, de cerca.
Correndo atrás da vida.
Amargavida.
Dura vida de moça dos interiores sulistas.
De repente a Capital. A cidade louca cheia de sons, desafios, perigos...
Que medo!
A moça para no sinal vermelho.
A cidade assusta, embaralha, desordena a visão.
Ela não sabe ainda que outra visão se anuncia.
A moça pressente as palavras. 
Mas não são as palavras.
São as PALAVRAS.
Alguma coisa lhe diz, na metamorfose do tempo, 
que outro tempo existe.
Tempo de absoluta poesia.
E a moça escuta a voz de poeta, que lá dentro já se fazia.
Uma voz que grita, berra, uiva, acaricia.
Voz antiga que  a moça nem sabia.
E a cidade agora aparece inteira 
com seus Largos e desordenados caminhos.
Sacra, profana, felizinfeliz, cinzenta e azul, verde e vício, 
templo e perdição.


Abraços do arteiro - Menestrel Daniel Faria

Daniel Faria...  como definir esse professor, poeta, músico, compositor, arteiro e amigo? Como resumir tudo o que já fizemos, vivemos, cantamos, poetizamos, trabalhamos, rimos, xingamos? Não dá, cumpadi Danié... num dá.  Nossa história tá por aí, nas bibliotecas da cidade, nos bancos escolares, nos bares, nas lembrança das pessoas, em nós. 
Valeu, mano véio!

Poesia In mezzo al mare

In mezzo al mare

sobre o poema Na Morada

 Na morada

Sobre meu poema "Na morada", recebi dois comentários poéticos que não há como não guardá-los aqui nesse meu baú virtual.



Marilda…
Por Manoel de Andrade


Chego a essa tua morada,
pra perguntar com meu canto,
pela poesia , mais nada
e pra beber seu encanto.

Aonde achas teus versos?
como nasce a inspiração?
teus apetrechos, diversos,
inscritos no coração…

Não quero a escova de dente
só a amante das poesias…
esse astral de namorada,

e que digas, a mim somente,
em que fonte te sacias
pra cantar tão inspirada.

Manoel de Andrade 20.07.09



Dona Marilda,

Por Tonicato Miranda

Quanto mais te leio mais te glorifico.
Pouco te conheço e quase já te conheço.
Este poema…Ah este poema.

O que dizer que não está dito?
Por isto mesmo agora repito:
Marilda quase te conheço.

Por que demorei tantos anos assim?
Em quais mundos paralelos voavam minhas asas?
Para não ver tuas janelas cheias de frestas.

Grande poema, Marilda.

“Lá em casa tem creme pra cabelo seco,
molhado, pixaco, loiro, ruivo e preto.
Tem óleo, toalha e escova de dente
vá que alguém de repente resolva pernoitar.”

Que coisa linda, Marilda.

Grande Abraço, palavreira.
TM

Muito obrigada meus amados Manoel e Tonicato. Minha humilde casa está sempre aberta à vocês. Emocionei... 

OFERTÓRIO - AMOR

JB.VIDAL

estou a oferecer este amor
que nascido desta alma inquieta,
insiste em se revelar,
pra ninfas, putas e madonas
para o universo e o que mais houver,
que sem limites se dá, sem explicações deseja
.
um amor como nem todos,
vigoroso, egoísta e felino,
invejoso, exigente, obsceno,
delirante, inseguro e raivoso,
doce, amargo, cerebrino,
que fere, cura e se expande,
.
um amor que é causa em si mesmo,
completo por saber odiar,
estúpido, sábio e lascivo,
belo e ambicioso mais que tudo,
que arrasa, idiotiza, elucida  e eleva,
porque é limpo, é sujo, é luz, é treva
.
um amor que dissensia
e busca a Pureza,
canta e sofre a beleza do cio,
que lamenta nascidos e mortos,
invoca e deseja os anjos da arte,
abomina e repudia o átomo como parte

Pare, eu confesso!

Pare, eu confesso!

Apesar de latir, não mordo
como o Cachorro-Louco.
Não me bote na coleira.
Sou uma inofensiva poetisa.
Por favor, não me transforme em pedreira.

Pare, eu confesso!
Apesar do carma dos olhos azuis,
não sou Helena Kolody,
aquela professorinha querida,
que tanto amou a poesia
que não conseguiu amar mais ninguém.

Pare, eu confesso!
Sou só uma indefesa mortal,
condenada a sofrer de prisão de versos,
urticária na alma e incontinência verbal.

Sou portadora desde nascença
de uma doença literária crônica,
um distúrbio compulsivo obsessivo poético
causado por uma discrepância lingüística
que inflama a verve, queima o peito,
estufa o ego, altera a hipérbole
e enche o sacro santo dos amigos.

E não sou a única, Meritíssimo.
Aqui mesmo, nesse extato momento
existem vários sujeitos ocultos que
se provocados,
cometerão eufemismos coletivos,
cuspirão metonímias
e se esvairão em hemorragias
de metáforas implícitas.

E ao contrário do que dizem os críticos, Meritíssimo,
a farmacologia ainda não inventou uma antítese eficaz,
capaz de combater essa catacrese catastrófica.

Todos dias, desde que existe o homem,
aparece uma criança, um adolescente normal,
um pai ou mãe de família tradicional,
que de repente se depara com uma noite enluarada
e começar a fazer frases rimadas com nua, sua, rua
e a sentir-se como se fosse
o primeiro homem a pisar na lua.

Não condene os artistas, senhor Juíz!
Imagine que triste
um mundo sem magia,
música, atores, pintores,
sem enfeites, sem deleite, sem poesia,
sem alegria…

Poesia pobre


Sumo, somes,
secas, seco,
escoas, escôo,
ecoas...

Escorres, escorro.
só corres, só corro.

Socorro!

Somos somente ecos
do que fomos.

Ah, essa maré de dó, marré de si!
pobre de ti, pobre mim
pobre dessa poesia pobre.

a arte do chá





ainda ontem
convidei um amigo
para ficar em silêncio
comigo
ele veio
meio a esmo
praticamente não disse nada
e ficou por isso mesmo

Leminski

Poesia Era uma vez duas Rosas

                    
  Ontem, aconteceu em Curitiba o Seminário "Prevenindo a mortalidade materna" promovido pela União Brasileira de Mulheres. Intercalando as palestras, aconteceram exposições de arte, artesanato, shows e poesia.
Eu participei com uma exposição de textos decorados com imagens da artista Graciela Scandurra e recitei algumas poesias. Tema difícil...


Era uma vez, duas rosas

A Rosa mulher,
ainda uma menina.
Branca, pálida, franzina.

A outra rosa,
ainda um botão de flor.
Mas, seria vermelha sua cor.

Rosa menina queria um vestido dourado,
sonhava ser modelo, morar no Rio de Janeiro
dançar a valsa de 15 anos com o namorado
casar, ter filhos e ganhar muito dinheiro.

Rosa flor nasceu no jardim da casa da Rosa mulher.
Era apaixonada por um belo crisântemo amarelo
vivia cercada por cravos, lírios, bem-me-quer
e o sol, acordava-a todo dia com um beijo singelo.

Rosa menina engravidou antes de parir seus sonhos.
Viu interrompida sua fantasia de menina.
Sua vida transformada num pesadelo medonho
levou-a a procurar uma clínica clandestina.

Rosa flor espreguiçava-se distraída,
oferecendo-se inteira ao calor do verão
de repente sentiu uma fisgada dolorida
uma facada no caule... a queda... o chão.

Rosa mulher, acusada de um ato impuro
expulsa de casa, grávida, sem esperança
submeteu-se a um aborto inseguro
pôs fim à sua vida e a da criança.

Não é dourada a mortalha da menina
e sobre seu peito, jaz uma flor em botão
Meu Deus! O que vejo? Que triste sina!
Duas rosas tenras, mortas num caixão.


(marilda confortin)

Visita de amigos poetas


Nos dias 20 e 21 de junho, recebi a visita de alguns poetas amigos de outros estados. Fazemos parte de grupo de poetas amadores que se conheceu através da Internet, lá pelos idos do ano dois mil e que periodicamente se visita para unir-se aos poetas locais, ler poesias e fazer novas amizades. Já tivemos encontros de poesias formais, com mais de uma centena de pessoas em vários lugares como, por exemplo: Porto Alegre, Armação, Barra Velha, Curitiba, São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília e Belo Horizonte. Ultimamente, nos reunimos sem protocolo, sem pretextos, sem grandes combinações, quando dá vontade, pra matar a saudade, com qualquer tempo, com qualquer quantidade de pessoas e em qualquer cidade do Brasil. Quem quiser se juntar a nós, fique a vontade para se manifestar.
Sábado, foi dia de (re)conhecer Curitiba e passar a tarde no Café Quintana



Sergio (Presidente Prudente), Edna (São Paulo), Thamar (Brasília), eu e Cleide (SP)

Hugo chegou meio atrasado, mas conseguiu tomar um café e matar a saudade, né Hugo?

À noite, foi para ler poesias no Jocker, comer farofa de pinhão, tomar vinho e até dançar. No próximo, prometo escolher um local mais adequado à poesia... desculpem. Ms tenho uma reclamação à fazer: cadê as fotos de toda a turma? Angela, Janice, Deny, Sergio, Cris, vocês tiraram um monte de fotos do grupo todo que estava no Jockes... me enviem por favor.



(...) Amigos são artigos de luxo
amigos são bruxos
da distância e do tempo
amigos são elementos
que contam na hora agá
amigos são maná
faróis no nevoeiro
são arco e aqueiro
na precisão do alvo
amigos estão a salvo
das tempestades da vida...
(Anair Weirich)

Edna, a eterna Musa paulista do grupo foi a responsável por nos reunir aqui em Curitiba, no meio do caminho. Quem veio conferir os correntistas em potecial, foi Cleto, o dono do Banco da Poesia (ver link ao lado)
O já consagrado poeta Manoel de Andrade, mostrou seu companheirismo a nós, poetas amadores, comparecendo ao encontro e nos brindando com belas declamações do seu último livro Poemas para a Liberdade.

 “E agora, eis-me diante da poesia,
         Assistindo desabar as velhas torres do encanto…
         Perplexo, que posso ainda?
         Sou apenas um olhar melancólico diante da esperança.”

Sérgio trouxe seus poemas rápidos e certeiros.

Cleide, Thamar, eu, também fizemos leituras. Só faltou quem fotografasse...rs

Quem vem pra Curitiba, não toma um submarino e não rouba o canequinho do Bar do Alemão, não veio pra Curitiba. Essa turma de poetas já tem uma coleção completa de canequinhos. Já são quase curitibanos



Fica aqui mais um registro de pessoas normais, que têm em comum o gosto pela poesia, o prazer da amizade e o eterno desafio de encurtar distâncias.


arte e haicai de Tchello d'Barros
uma gata preta
namora um gato branco
numa tarde cinza


POETRIX



Paradoxo

Todos os dias o amanhecer intima a viver
A correria do dia a dia me enterra viva. 
 - até ao anoitecer

Poesia Na morada


Na morada


Na minha casa não tem compartimento secreto
nem lugar proibido.
Minha casa é um livro aberto,
com meus amigos divido.

Na minha casa tudo combina com o clima e o astral.
O chinelo havaiana nunca reclama de morar debaixo da cama
com um velho sapato social.

As fotos dos filhos estão por toda parte
Exibo sim, são minhas obras de arte.

Uma erva daninha nasceu na floreira
cresceu trepadeira, não posso arrancar.
Um pé de gerânio abriu a cortina
e na surdina deixou o sol entrar.

Os livros povoam a sala, banheiro, armários,
gavetas e estantes.
São meus companheiros, eternos amantes.
Nunca vão me abandonar.

Lá em casa tem creme pra cabelo seco,
molhado, pixaco, loiro, ruivo e preto.
Tem óleo, toalha e escova de dente.
Vá que alguém de repente precise pernoitar.

Na parede tem um desenho de lápis de cor
sobre papel almaço.
Tem muito mais valor
do que a obra de Picasso.

Na cristaleira não tem cristal
Mas tem cachaça, tequila, mescal
Um vinho barato, licor de pequi
E uma última dose de bacardi.

Tenho tudo que preciso no meu Cinema Paradiso:
Poderoso Chefão, Telma e Louize,
Tomates verdes e fritos, Café Badgá
e assim, La nave vá.

Grafitrix Al dente


Tem um banco novo na praça

Se chama "BANCO DA POESIA". O banqueiro e maior investidor é o competente Cleto de Assis, que com seus desenhos mágicos transforma palavras em imagens belíssimas.
O endereço do banco é http://cdeassis.wordpress.com
Eu já abri uma conta e depositei meus trocadilhos. Em menos de 24 horas, rendeu a formatação do poetrix acima e a ilustração abaixo, que acompanha minha biografia. Valeu, grande CLETO!


Eu sou só uma mulher que sofre de poesia crônica

eu sou só uma mulher que sofre de poesia
eu sou só uma mulher que sofre
eu sou só uma mulher
eu sou só uma
eu sou só
eu sou
eu

Mandado de busca e apreensão contra a poesia


Mandado de busca
e apreensão contra a Poesia


Senhores, minha poesia sumiu.
Botem os cães nos seus calcanhares.
Farejem tudo: becos, sótãos, rios.
Vasculhem céus, terras e mares.

Procurem nos dedos dos músicos,
no negro quadro de cada escola,
no fascínio quântico dos físicos,
na placa do cego que esmola.

Busquem nos diários e discos rígidos;
nos papiros, nas lápides dos túmulos;
nas paredes dos banheiros públicos;
nas gavetas e nos grafites dos muros.

Investiguem as pedras das cavernas;
os evangelhos apócrifos e as escrituras;
os templos, os conventos e as tabernas;
as democracias e as ditaduras.

Vejam nas celas e nos parreirais;
nos campos de girassóis maduros;
nos poetrix, epigramas e haicais;
no passado, no presente e no futuro.

Pesquisem nos álbuns de fotografias,
nos bares, museus, sebos e alcorões.
Se não encontrarem, revirem as livrarias,
costumam prendê-la nos porões.



E que isso não se repita!



Queres comprar meus olhos?
Não, não estão à venda.
Se te ensinassem a ver
te emprestaria.

Uma fresta bastaria
para eu encontrar o sol.

Me conheço de escuros,
de muros,
quinas,
esquinas e encruzilhadas.

Vais me amordaçar para que eu emudeça?
Esqueça!

Eu falo pelos cotovelos,
pelos pêlos,
pela saliva,
pelos olhos,
pela poesia.

Vais vendar meus olhos para que eu te siga?
Pois venda-os!

Venda tua alma ao diabo se quiseres!

Eu me nego!
Nem cega,
nem muda,
nem morta,
me entrego!

Grafitrix Usufruto

Poesia Sobre nós e elos

Sobre nós e elos

Acontece,
que somos elos de uma corrente
feita por um desses deuses dementes
que se divertem com a desgraça da gente.

Acontece,
que estamos sempre a procura
de uma corrente segura
pra nos encaixar.

Mas, acontece
que essa maldita corrente
sempre arrebenta no mesmo lugar.

Acontece,
que existem elos perdidos
que vieram ao mudo
só para serem partidos.
Elos órfãos,
que vivem sós,
que se amam,
mas não se atam,
como nós.

As vezes me pego sonhando
com um universo paralelo,
cheínho de elos,
todos sem par.
Quem sabe é por lá
que nossos chinelos
vão se encontrar

Lua e dragão




Sabe aquela lua âmbar que apareceu ontem à noite?
Deu uma vontade louca de seguir a estrada que ela abriu no mar só pra ver onde vai dar.
Os homens são apaixonados pela lua.
Eu não.
Eu fui apaixonada por São Jorge.
Quando menina, eu queria casar com ele.
Mas daí, o tempo foi passando, fui esquecendo de rezar, fui gostando do pecado e acabei esquecendo do santo.
Agora quero casar com o Dragão. Descobri que dragões são figuras bem interessantes. Muito mais interessantes que os santos homens.
Ontem a noite, quando o Dragão apareceu dentro da lua âmbar, prometi que iria salvá-lo da espada de São Jorge.
Mas... e se o Dragão também estiver apaixonado pela lua como todos os homens que amei?
Mato aquela cadela!

Poetrix


CuritiBar

Gosto dos bares às terças e quintas.
Nesses dias,
todos os pares são ímpares.

(Marilda Confortin)

tudo em mim anda a mil

tudo em mim
anda a mil
tudo assim
tudo por um fio
tudo feito
tudo estivesse no cio
tudo pisando macio
tudo psiu

tudo em minha volta
anda às tontas
como se as coisas
fossem todas
afinal de contas

LEMINSKI

Poetrix Vira-latas

Vira-latas
à Marilda Confortin e Manuel Bandeira
por Argemiro Gacia

Revirando o lixo,
menos que um bicho
é um menino.

Argemiro Argemiro de Paula Garcia Filho

Argemiro é geólogo paulistano, poeta, poetrixta, editor. Escreveu o poetrix acima depois de ler um pequeno terceto meu que tratava sobre esse tema. Não nos conhecemos pessoalmente ainda, né Argemiro? Mas nos lemos, muito.

Soneto a um poeta adolescente

À um poeta adolescente


Ah! meu caro e pueril amigo
Por que sofres por antecipação?
O cordão ainda te prende ao umbigo,
Mal conheces a dor de uma paixão.


Quiçá herdastes esse congênito fardo
Esse estigma de antepassadas dores
Como o vinho, da cepa lembra o amargo
Ou como o mel, o aroma das flores.

Não te deixes cair em desespero
Livra-te desse mal enquanto é tempo
Abandona essa amargura ao desterro

Não te apartes das horas felizes
Vive o que te é dado no momento
E enterre no passado tuas cicatrizes.

VÉSPERA - de Manoel de Andrade



Quatorze de março
mil novecentos e sessenta e nove.
É preciso…
é imprescindível denunciar o compasso ameaçador destas horas,
descrever esta porta estreita que atravesso,
esta noite que me escorre numa ampulheta de pressentimentos.

Um desespero impessoal e sinistro paira sobre as horas…
O ano se curva sob um tempo que me esmaga
porque esmaga a pátria inteira…

Nossas canções silenciadas
nossos sonhos escondidos
nossas vidas patrulhadas
nossos punhos algemados
nossas almas devassadas.

Pelos ecos rastreados dos meus versos
chegam os  pretorianos  do regime.
Alguém já foi detido, interrogado,  ameaçado
e por isso é necessário antecipar a madrugada.

E eis porque esse canto já nasce amordaçado
porque surge no limiar do pânico.
Meu testemunho é hoje  um grito clandestino
meus versos não conhecem a luz da liberdade
nascem  iluminados pelo archote da esperança
para se esconderem na silenciosa penumbra das gavetas.

Escrevo numa página velada pelo tempo
e num distante amanhecer
é que o meu canto irá florescer.
                                                              
Escrevo num horizonte longínquo e libertário
e num tempo a ser anunciado pelo hino dos sobreviventes.
Escrevo para um dia em que os crimes destes anos puderem ser contados
para o dia em que o banco dos réus estiver ocupado pelos torturadores

Contudo, nesta hora, neste agora
o tempo se reparte pra quem parte
e um coração se parte nos corações que ficam…
O amanhecer caminha para desterrar os nossos gestos 
para separar  nossas  mãos  e  nossos olhos
e nesta eternidade para pressentir o que me espera
já não há mais tempo para dizer quanto quisera.

Tudo é uma amarga despedida nesta longa madrugada
e neste descompassado palpitar,
contemplo meus livros perfilados de tristeza
retratos silenciosos de tantas utopias,
bússolas, faróis, retalhos da beleza.
Aceno a Cervantes, a Lorca, a Maiakovski
mas só Whitman seguirá comigo
nas suas páginas de relva
e no seu canto democrático.
Contemplo ainda os pedaços do meu mundo
nos amigos do penúltimo momento
nas lágrimas de um benquerer
na infância de minha filha
e nesse beijo de adeus em sua inocência adormecida.

Nesta agonia…
neste abismo de incertezas…
abre-se o itinerário clandestino dos meus passos.
De todos os caminhos
resta-me uma rota de fuga, outras fronteiras e um destino.
Das trincheiras escavadas e dos meus sonhos,
restou uma bandeira escondida no sacrário da alma
e no coração…
um passaporte  chamado…  liberdade.

                                           Curitiba, 14 de março de 1969
Manoel de Andrade