COMA


poema de JB. VIDAL

nasço e inauguro em mim a trajetória da morte,
início e fim, siameses do útero à campa,
como fonte, me insurjo, resisto,
consciente de sua presença, prossigo
sepultado vivo na matéria,
com a alma esgarçada na miséria
de um momento que ela mesma desconhece,
não há passado para o início não haverá futuro para o fim,
o que será dos meus pensares?
da razão? o que ficará dos sentidos?
das agonias, dos sofreres,
dos sentimentos, penso profundos,
o que será dos meus saberes?
não me falem de exemplos,
experiências, conhecimentos,
como óbolos para quem vem a seguir,
para eles há futuro, esquecer
não me venham com alegorias cenobitas,
relações de fé-imagem, palavras-reveladoras,
crenças obtusas oferecidas em sacras mansões, não!
digam apenas que estou louco,
que me debato em trevas,
que abreviei a trajetória,
que vivo morto por querer viver depois…

Poetrix na Rádio Caos


MESTRA CRUEL - poesia


Marilda poeta, por Fajardo

MARILDA POETA

Por Cláudio Fajardo

Ela ensina as palavras a falarem
Ela ensina as palavras a amarem
Ela ensina as palavras a andarem
Soltam-se e andam sozinhas
Andam pela vida,
vão pelas ruelas,
pelas estradas de chão,
pelo fim do caminho.


Amam no Largo da Ordem
Soltam-se dos dicionários
Animam-se, animam
Animam o animal homem,
Mulheram a vida.


Recebi essa homenagem do ilustre paranaense Cláudio Fajardo, atual diretor da Biblioteca Pública do Paraná, que sempre dá espaço para a poesia. Um homem ligado à luta revolucionária, professor universitário, crítico, poeta e amante dos livros.
Fiquei muito emocionada com o poema e só depois de três dias, consegui me distanciar do alvo e lê-lo como como se não fosse dedicado a mim, sentindo a força da palavras, a beleza das metáforas, a construção inteligente e sensível do poema. Como eu disse ao Mauro Barbosa, eu nem sabia que o Fajardo me sabia... É provável que ele nunca leia esse comentário agradecido, mas isso não importa. Meu carinho e admiração por ele é eterno.
Fajardo, sua companheira Nanci e eu, no bar Kapelle


O que fica, então?

Para Marilda

De Everly Canto, para Marilda



Portas abrem e fecham...
Anoitece e "endiece"...
Ganha-se e perde-se...
Nasce-se e morre-se...
Tudo vem e vai...
dinheiro, trabalho,
stress, sinusite,
dor de cabeça, preocupação....

O que fica então?
A amizade, carinho, amor...
O sabor do bom vinho,
A lembrança da cerveja gelada,
O descobrir sentada ao nosso lado a grande amiga,
A coragem, a poesia, a fé e...
TUDO DE BOM QUE VOCÊ É, MARILDA!!!!!!


Everly foi uma dessas boas surpresas que a vida reserva pra gente. Trabalhávamos lado a lado, de cabeça baixa, envolvidas em assuntos sérios, complexos, estressantes. Não lembro quanto tempo demoramos para prestar atenção uma na outra. Mas, lembro que um dia, pegamos carona com o filho dela. Ele nos  apresentou o Inferno, uma tequila que mudou o rumo de nossa amizade. Acabamos numa cervejaria, provando todos os tipos de cerveja que existia. Caíram todas as máscaras, todos os deuses, todos os conceitos e preconceitos. Não somos mais companheiras de trabalho. Somos amigas. Somos irmãs. Pro que der e vier. 

 

QUANDO UM MENDIGO MENDIGA - de Tonicato Miranda


para para Sophia Loren e Catherine Deneuve

Se eu
lambesse com a língua curva
o parafuso mais recurvo de uma nave estelar
seria muito mais do que um boi estrelado
seria um quadrúpede intergaláctico e alado
Mas não,
sou touro do campo mesmo
lambendo chão, remoendo gramíneas
trespassando o corpo de porteira em porteiras
chifrando os horizontes e as segundas-feiras
Se eu
babasse a baba do ódio com o olho turvo
seria um demo de carranca na cara
meu frontispício assustando o espelho
a cara fugindo da imagem, qual coelho
Mas não,
tenho a cara santa e limpa
sorriso suave, noves fora da maldade
e até dizem tenho um rosto suave
que até confiança produz à pequena ave
Se eu
fosse um jacaré com dentes pontiagudos
ansiando o estômago por carne dilacerada
de frango, de galinhas e suas ninhadas
penas apenadas seriam na boca trituradas
Qual o quê…
sou quase vegetariano e verde
meus dentes e as bocas do meu olhar
miram mais os peixes e os frutos do mar
uma dúzia de camarões já me serve um manjar
Se eu
fosse um rude de queixo duro
gestos imprecisos, mãos e pés calejados
monossílabos frios e curtos no canto da boca
teria a voz sem cantares e arte, totalmente rouca
Qual o quê…
meu canto também é rouco
a voz, do princípio ao fim de um louco
apenas ressoa o muito brilho de um cântico
porque sou irremediavelmente romântico
Se eu
fosse o pergaminho de uma era
teria apenas poucos versos impressos
um poema de pedra e tons de verdes
na umidade da gaveta criando musgos mais verdes
Mas pra quê?
ninguém se interessa por poemas e poesias
nem por bois voadores e jacarés comedores de galinhas
muito menos por musgos e liquens
o mundo continua atrás dos verdes e seus níqueis
Se eu
fosse um mago da palavra
que um gesto da vara e no abracadabra
pudesse mudar o olhar da atriz
fa-la-ía mirar-me na platéia, deixando-me por um triz
Mas pra quê?
se a personagem e os atores da peça
somente à atriz seu olhar interessa
não vê que este pobre ser pedalador de bicicleta
não é homem, boi ou musgo, apenas um mendigo poeta


monge,
che te fa bene!


RAUL POUGH
Dois Cães Vagabundos
para qualquer fêmea
rodei pelos calcanhares
rodei pelos bares
fazia calor, muito calor
cansei da noite, cansei do dia
um cão perdido me fez companhia
sentamos juntos na beirada da guia
no riacho ao lado nenhuma gia
a cantar, a brotar um solitário olá
apenas pairava no ar a magia
de estar ali na sala de estar
da cidade, da fantasia
eu e o cachorro a sua espera
na esperança de um olá
esperando sermos adotados
por um lar, por você
Tonicato Miranda
Curitiba, 3/11/2009

Conversa com um velho rio

Toda vez que passo na frente daquele riozinho ele me diz:
- Passeando dona louca?
Jogo uma pedra nele e continuo minha caminhada. Ele se enfia debaixo de uma pinguela e me provoca novamente:
- Ô dona doida, ainda não parou de falar com as coisas?
Nem tenho tempo de responder e ele já entra numa enorme manilha e se esconde outra vez. Uma pedrinha curiosa se solta da mão da mãe e rola até meus pés para brincar. A grande rocha, silenciosa, apenas observa. Somos velhas amigas. Cúmplices dos tempos.Um bando de garças adolescentes  faz cocô na minha cabeça. Os bem-te-vis caem na gargalhada. 
Um ipê amarelo, me chama de careca. Pode deixar... Eu me vingo na próxima estação...
Cumprimento uma velha roseira. Ela nem me dá bola. Sempre esqueço que as rosas não falam.

Aqui era puro mato!
Agora não passa de um canteiro urbano.
Asfaltaram as trilhas, arrancaram árvores,  represaram o rio. 
Por isso ele ficou sujo e malcriado desse jeito. ntes, corríamos livres e conhecíamos cada pé de amora que morava aqui. O pé de chorão e eu ficávamos horas debruçados sobre o rio ouvindo suas histórias de águas passadas. Ele me chama de doida, mas quem perdeu o rumo foi ele.
Fizeram o pobrezinho engolir desaforo, desviaram seu curso,
Obrigando-o a andar escondido nas galerias subterrâneas da cidade, como se fosse um...  um marginal.
Represado, teve que se fingir de morto, de surdo, de mudo, de bobo...  
Ah... como se eu não te conhecesse de outros tempos, meu velho rio Belém... 
 
- Vá tomar banho, sua doida varrida!
Não posso mais tomar banho contigo, querido. É proibido! Não posso nem ficar aqui sentada te olhando.
É perigoso, sabe? Você ficou perigoso, venenoso, poluído..E se me pegam falando com você, me internam num manicômio. 

Ele me chama de doida que fala com as coisas,  mas doidos mesmo, são aqueles que pararam de ouvir as coisas.Os que calaram a gralha azul, cortaram nossas araucárias e plantaram pinus, pra dar luz elétrica em vez de  pinhão.
Insanos mesmo, são aqueles que nos entupiram de lixo, esgoto, veneno, taparam nossa boca com pixe e nos condenaram a esse... esse barulho ensurdecedor.
publicado no livro Busca e apreensão

O Rio Belém é um rio genuinamente curitibano e sua extensão é de 21 km. A nascente e a foz estão dentro de Curitiba. O rio nasce no bairro da Cachoeira e deságua nas cavas do Rio Iguaçu, no Boqueirão. Sua Bacia Hidrográfica abrange 35 bairros.
O Rio Belém passou por vários processos antrópicos que alteraram sua fisiografia, bem como sua hidrodinâmica. Na década de 1930 teve sua extensão retificada, onde um trecho do rio com 17,8 km passou a ter 7,2 km, no centro da cidade, área intensamente urbanizada, foi canalizado para dar espaço as construções. Teve suas margens devastadas e ocupadas irregularmente e lançamentos de esgoto são encontrados com freqüência por todo seu comprimento.
É o rio mais poluído da cidade. 
Já existem projetos para a revitalização do rio. Foi foi criado recentemente o Parque Nascente do Rio Belém, com mais de quarenta mil metros quadrados para preservar a natureza. Existem várias campanhas de despoluição do rio e demonstrações de carinho da comunidade como o "abraço ao rio belém" realizado anualmente cuja foto encerra este texto.