O resto da minha vida - de Tonicato Miranda



para os amigos do Varandaes

Foto: Osni Ribeiro

Triste... é assim
meus olhos choram
cinza... o jasmim
refletindo a cor do céu
cinzas no jardim e em mim

O que fazer agora
com o resto da minha vida...
ouvir Bill Evans, por horas
a tristeza escorrendo, se deixando levar
rio abaixo, tempo afora

O piano deixa cair um plim
notas musicais em sequência
lentamente caem também de mim
são folhas da memória descendo
calmamente do rio ao mar, e ao fim

O que fazer amanhã
com o resto da minha vida
passear no parque envolto em lã
sentar num banco, mirar passarinhos
ver na pedra Bashô e o salto da sua rã

O piano convida e eu vim
emprestar o ouvido à emoção
a lágrima pulando do olhar assim
mais do que rio, ela é o barco da alma
reflexo musical, um acorde: meu plim

O que fazer na próxima semana
com o resto da minha vida
papéis antigos, fumaça na cabana
neste inverno rigoroso revejo amigos
um bom vinho pode me levar a Havana

Triste... é assim
meus olhos choram
cinza... o jasmim
refletindo a cor do céu
cinzas no jardim e em mim

Tonicato Miranda
Curitiba, 18/09/2004

O VENDEDOR DE AGULHAS

de Daniel Farias


há uma dor fria
que atravessa a fina lâmina
do vendedor de agulhas.

há uma metálica metáfora
que corta a tarde cinzenta,
entre surdinas e sirenes ocultas,
do desconhecido e invisível
vendedor de agulhas.

há um silêncio de ferro
nos rostos, nas almas
e nas calçadas por onde passa
o vendedor de suplicantes agulhas.


há um único fio que prende e conduz
o homem que passa, sem ser visto,
a outros homens que carregam
nos bolsos descosturados uma
dor que perfura a alma e denuncia
aquilo que se perdeu...

comovendo junto

árvores sem movimento
dói o mormaço lá fora

eu moro por dentro
vivo de brisa
e demoro longe

não vejo a hora
quebro vento
e arrumo galho

o pouso da ave
vale quanto penso
não move uma palha

apenas o sopro do sentimento
comovo uma folha

(Roberto Prado)

Grafitrix Rapidinha




Festejar
Miriam Brasil

Louca prisão que expõe meu corpo, outrora livre,
porque agora e não depois?
Ouso, arrojadamente, na entrega do sentimento emanado da presença ausente de teus olhos...
Ouço a balada ferindo rente e inexorável!
Oculto-me em defesas...
Finjo não perceber os anseios e apelos de tua alma
disparando explosivamente em minha direção...
Deliro na tentação...
E a noite do corpo sem estrelas
a tentar aplacar as tempestades que vertem de meus ossos.
Melhor... ousarei festejar os lilases!
(Miriam Brasil)

5 poemas de amor e ódio

Cinco poemas de amor e ódio escrito a 2 mãos apaixonadas
Por: Douglas Pereira e Marilda Confortin


I

Não há mais laços.
Só sobraram os nós.
Rotos, partidos.
Soçobramos nós.
Bagaços, feridos.

E quem tira essa ira que nem sei onde mora?

Tem hora que sinto na boca,
no oco do estômago,
no buraco do peito,
no escuro do olho,
nem sei direito.

Se eu me der um soco, você vai embora?

Preciso expurgar você de meu corpo,
vivo ou morto.

Como arrancar você de mim,
se estou cheia de você?
Se tem farpas suas em todos os meus cantos,
em todos os meus contos,
em todos os meus versos.

Se tem restos de sua saliva na minha boca,
estrepes de você nas minhas unhas,
ódio de você infeccionando minha alma.

Como tirar você da minha vida,
se não tenho mais vida?

Quando se odeia o próprio amor,
não se quer matar
se quer é morrer(Marilda)

II

Morrer não adianta.
Cada farpa de mim
continuará em tua alma
e ainda que o fim fosse
um fato consumado
eu perduraria no teu pó
além do tempo en que fui amado.

Se tu queres ser o nó
eu serei a corda
onde está amarrado
teu ódio e tua ira
que eu chamo de amor
e alimenta o gosto
que minha boca tem provado.

Se vais me odiar até a morte
hei de matar-te toda noite
e acordar dia a dia
no teu seio acomodado(Douglas)


III

Tu mentes!
Tua mente é doente
teu beijo envenena
teus braços, algema
teu semen, praga.

Te amei com suavidade vaga,
lambi teu suor,
salguei tua carne,
mas hei de te odiar
com fúria das tempestades,
te queimar com a ira dos raios
e povoar tuas noites com pesadelos.

Quando acordares ao meu lado,
com teu corpo dolorido,
vais desejar ter morrido, bandido! (Marilda)

IV

Se digo mentiras
é por que gostas de ouvi-las
sussurradas em teu ouvido,
de costas,
enquanto minha doença te infecta
e meu veneno te cura
meus braços te prendem
e tua pele sua
untando-me de ti
iluminando raios
cantando trovões com canções
em fá sustenido
e quando eu acordar dolorido
vais me ver ao teu lado
e ao invés de bandido
dirás: - Bom dia, querido! (Douglas)

V

Então venha, desgraçado!
Me detenha, meu amado!
Arranca essa mágoa
que de mim se apossa,
extraia essa dor
que me empossa a boca
cessa o estertor
que embarga essa voz rouca.
Impeça meu grito,
minha fuga,
meu suicídio.

Te amarei por hora,
morrerei depois
com sempre foi(Marilda)

EXPONDO AS VÍSCERAS - JB do Lago


 Um olhar sobre poemas de Marilda Confortin e JB Vidal
 por João Batista do Lago

http://joaopoetadobrasil.wordpress.com/2008/08/21/expondo-as-visceras/

Tenho escrito, muito vagarosamente, uma tese sobre a coisa poética visceralista, aquilo que entendo como sendo poesia visceral; ou seja, a poesia que surge do instinto do instante (G. Bachelard) em toda a sua brutalidade fenomenal; a poesia que insurge contra verdades exatas ou absolutas, produzidas a partir de um lirismo de tipologia cartesiana ou kantiana; a poesia que se inscreve e escreve a política e a história na “carne do mundo”, onde o real se mistura à realidade, subvertendo assim a realidade dada, ajustando a poesia e o poeta ao campo de mundanidade – (Merleau-Ponty).


Evidentemente que enfoco tudo a partir de uma abordagem epistemológico-fenomenológico-existencial (se é que assim posso conceituar), partindo sempre de fenômenos imagéticos, noutras palavras, dos desenhos ou das imagens que “o texto poético” causa em mim: sou, assim, um caçador de imagens ou um arqueólogo de sombras existentes nas carnes poéticas. O que quero inferir com esta minha frase é que, não tenho quaisquer preocupações com “campos psicológicos ou psicanalíticos”. Acho-os, em verdade, representações de puro “significantes vazios”.

Neste artigo, e de forma extremamente superficial, tentarei demonstrar este arcabouço epistemológico-fenomenológico-existencial, partindo da poética de dois poetas que “caminham” por este espaço: Marilda Confortin e J.B. Vidal. Dela utilizarei a poesia “Hoje Estou Naqueles Dias…”; e dele, a poesia “Ofertório-Dor”. Ah! Como eu gostaria de ter escrito essas duas poesias! E mesmo sem tê-las escrito tenho a “impressão” que elas foram escritas por mim! E mesmo sem tê-las escrito elas estão em mim “encarnadas” com todos os seus campos de “mundanidade”, com todos os seus “pré” e “pós” políticos e históricos, me levando a cada leitura às imagens já registradas, bem assim, à criação de novas imagens a serem criadas. E é tudo que peço aos leitores: que captem as imagens contidas em ambas: Vejamo-las:

HOJE ESTOU NAQUELES DIAS…
Marilda Confortin

Dias em que o corpo
me castiga
por eu ter exercido
o poder divino
de me negar a dar à luz.

Estou naqueles dias
de terra amaldiçoada
que não fecundou
nenhuma semente
dentre as milhares
que foram plantadas.

Estou naqueles dias em que choro…
Como quando Ele se arrependeu
de nos ter dado ventres férteis
e inconseqüentes
e chorou,
chorou tanto que seu pranto
afogou todas as pragas que nasceram
nos dias que antecederam
aqueles dias de dilúvio

Hoje estou naqueles dias
em que Deus me usa
para abortar a humanidade.
Me deixe chorar, sofrer e sangrar só.


OFERTÓRIO-DOR
de jb vidal

a dor que ofereço não foi provocada
nem apascentada por mim e a solidão
veio com a chuva, c’os raios
com os anéis de saturno, na cauda do meteoro
fez poeira de lágrimas
e instalou-se nesta podridão
soube então da dor de parir
e parido fui,
da dor da fome e fome senti
da dor do sangue e o sangue correu
em minha’lma gnóstica
a dor assumiu e sobreviveu

quero então oferecer
esta dor maior que o corpo
mais que desprezo e humilhação
mais que guerras e exploração
mais que almas aleijadas
mais que humanos em farrapas degradação

ofereço a dor do amor que amei
da partida sem adeus
da saudade sem sentir
da espera inquietante
do futuro irrelevante
da ânsia divina de morrer


Convido-te agora, caro leitor, para, comigo, construir as imagens que ressaltam destas duas poesias. Mas, antes levantemos uma questão que se me parece indispensável e fundamental para a pintura deste quadro: em que ponto os dois “sujeitos” que falam na poesia cruzam e se entrecruzam nos seus caminhares? Em qual “casa” eles se “encarnam” para construírem o “equilíbrio” para poder deblaterarem suas dores? Qual a cor e a espessura da tinta que ambos utilizam para pintarem seus quadros ou simplesmente “um” quadro? Qual o enunciado dos discursos desses sujeitos? Quais “nuanças” reside entre ambos?

Resgatemos, pois, as imagens que ressaltam destas duas poesias: a) o ponto de cruzamento e entrecruzamento dos dois “sujeitos” que falam nas poesias é, exatamente, o ponto da libertação de suas dores. E com que força eles gritam essa libertação! É tanta e quanta que (penso!) nenhum ser humano escapa ou escapará das palavras vérsico-sálmicas de ambos: (Marilda) – Hoje estou naqueles dias/em que Deus me usa/para abortar a humanidade./Me deixe chorar, sofrer e sangrar só. (Vidal) – ofereço a dor do amor que amei/da partida sem adeus/da saudade sem sentir/da espera inquietante/do futuro irrelevante/da ânsia divina de morrer.

Há ou haverá sublimação maior que esta, ou seja, em que os dois “sujeitos” que falam nas poesias se oferecem como “um cristo” oriundo da mundanidade, para “abortar a humanidade (Marilda); da ânsia divina de morrer” (Vidal)? Que imagem (ou imagens?) fenomenal! Só mesmo os poetas conseguem considerar a imaginação como potência maior da natureza humana.

Mas continuemos construindo as imagens que nos sugerem os poetas. Consideremos agora a segunda questão: b) em qual “casa” eles se “encarnam” para construírem o “equilíbrio” para poder deblaterarem suas dores? Eis aqui a questão central: antes de ser “jogado no mundo”, somos “abrigados” na “casa”. Ou seja: antes de tudo – de tudo mesmo – somos “encarnados” na mundanidade das casas. Somente a “casa”, e em especial a “casa natal”, nos fornece os elementos essenciais para o processo de aprendizagem e de apreendidade do mundo. Que imagem fenomenal, caro leitor! Ao ponto de me fazer lembrar da Alegoria da Caverna, de Platão (e traçar uma analogia, aqui e agora, sobre isso tornaria este artigo muito extenso). Quem de nós, porventura, por um instante sequer, não já projetou ou projeta a “sua” casa como “campo de concentração de segurança”? Com certeza todos! Mas, qual é a “casa” dos “sujeitos” que falam nas poesias? É a casa primeira: o corpo. É no corpo que habita a poesia. É no corpo que habita o poeta. É no corpo que a poesia é encarnada. É no corpo que o poeta é encarnado.

Você, caro leitor, pode até imaginar que eu estou falando de um campo metafórico. Contudo ouso dizer-te: não! Não estou aqui me referindo a metáforas – muito embora ela se configure implicitamente -; mas à existência dos “sujeitos” das poesias que fazem (e dão) sentido; falo da existencialidade; falo do real e da realidade, desse mesmíssimo real que subverte a realidade, para ser a realidade do real: a casa-corpo no seu pleno movimento de formas que surgem a cada instante do fundo de si: (Marilda) – Dias em que o corpo me castiga; (Vidal) – Esta dor maior que o corpo. Que imagens! Que imagens! Fantásticas! Perceberam o movimento dialético dos versos que são, per se, construtores de novas imagens? Senão vejamos: (Marilda) – corpo X castigo; (Vidal) dor X corpo. Quantas imagens surgem na mente a partir dessa dicotomia dialética!

Passemos para a terceira questão proposta por mim: c) qual a cor e a espessura da tinta que ambos utilizam para pintarem seus quadros ou simplesmente “um” quadro? Muito embora fosse prudente falar dos vários quadros que poderiam ser pintados, sugiro que me acompanhem no raciocínio de apenas uma imagem. Os “sujeitos” que falam nas poesias nos sugerem quadros pintados com a cor vermelha em suas “nuanças” várias. Mas aqui podemos ressaltar (também!) que tais “nuanças” não sejam pura e tão-somente matizes figuradas. Não. A cor vermelha que sobressai da imagem que crio é sangue puro… vivo… correndo por todas as veias e saltando por todos os poros para significar uma matiz existencialista, como nos mostra esta estrofe da poesia “Ofertório-dor”, do poeta JB Vidal:

soube então da dor de parir
e parido fui,
da dor da fome e fome senti
da dor do sangue e o sangue correu
em minha’lma gnósticaa dor assumiu e sobreviveu

ou como nos diz a poeta Marilda Confortin em sua poesia “Hoje Estou Naqueles Dias…”:

Estou naqueles dias em que choro…
Como quando Ele se arrependeu
de nos ter dado ventres férteis
e inconseqüentes
e chorou,
chorou tanto que seu pranto
afogou todas as pragas que nasceram
nos dias que antecederam
aqueles dias de dilúvio

Que imagens! Que imagens! Fantásticas imagens! Fenomenais!

São imagens assim que nos remetem à inferição de Gaston Bachelard: “a Filosofia da Poesia (…) deve reconhecer que o ato poético não tem passado, pelo menos um passado próximo ao longo do qual pudéssemos acompanhar sua preparação e seu advento (…). A imagem poética não está sujeita a impulso. Não é o eco de um passado. É antes o inverso: com a explosão de uma imagem, o passado longínquo ressoa de ecos e já não vemos em que profundeza esses ecos vão repercutir e morrer. (…) a imagem poética tem um ser próprio, um dinamismo próprio. (…) a imagem poética terá uma sonoridade de ser. O poeta fala no limiar do ser. (…) a imagem poética é, com efeito, essencialmente variacional. (…) a imagem não tem necessidade de um saber (…) é uma linguagem criança. (…) Nada prepara uma imagem poética: nem a cultura, no modo literário; nem a percepção, no modo psicológico”.

Talvez pensando nessas palavras de Gaston Bachelard foi que C.-G. Jung declarara: o interesse desvia-se da obra de arte para se perder no caos inextricável dos antecedentes psicológicos, e o poeta torna-se um caso clínico , um exemplar que porta um número determinado da psychopathia sexualis. Assim, a psicanálise da obra de arte afastou-se do seu objeto, transportou o debate para um âmbito geralmente humano, que não é de forma alguma específico do artista e principalmente não tem importância para a sua arte”.

Quanto às duas últimas questões por mim propostas – Qual o enunciado dos discursos desses sujeitos? Quais “nuanças” reside entre ambos? -, caríssimos leitores, se vocês perceberem bem elas se encontram imbricadas no contexto do texto. Transformaram-se, naturalmente, em questões intertextuais.

João Batista do Lago, poeta e crítico Maranhense
Blog do João: http://joaopoetadobrasil.wordpress.com/



OVERDOSE - de Claudia Muniz



Sentado à beira da rua dei um trago em minha vida.
Injetei-me no deleite de meu corpo e na sofreguidão de meus dias.
Contei com família, nenhuma.
Ri com os amigos que não tive.
Andei de mãos dadas pela praça, com a namorada que não tinha braços.
Li e estudei, tudo que ninguém jamais ouviu.
Cantei, dancei, vivi...
E fui para um mundo sem nome.
Lá havia letreiros onde era possível ler: "Olhe dentro de você"
E fui eu! Para dentro de mim.
Passei pela cabeça e ela estava confusa,
não deixava que meus olhos vissem,
 minha boca falasse e meus ouvidos escutassem.
Desisti.
Fui para o estômago e lá me diverti.
Havia muita "beer", com bolinhas efervescentes.
No pulmão, foi impossível, nada pude ver.
Quando estava lá, fui atingido pela neblina de Cubatão.
Já estava cansado, mas, por curiosidade, quis visitar o coração.
Não foi bom! Ele estava vazio, oco, vago...
E então senti que fortes alucinações me tomavam e com elas meu corpo se retorcia.
Morri!
E foi por "overdose" de mim mesmo.

Cláudia Muniz

Aposentadoria

Aposentar é sinônimo de alojar, abrigar, agasalhar, habitar, jubilar. Origina-se de aposento que por sua vez vem da poética palavra pouso. Com tantas interpretações mais agradáveis, porque é a palavra aposentadoria é usada para nos remeter ao triste ato de recolher-se inativamente aos aposentos? O que é que tem de errado com os aposentos de nossa casa? Quem disse que nossos aposentos não são tão bons quanto os dos nossos patrões? Mesmo simples e pequenos, construímos nossos humildes aposentos com muito amor e carinho. Porque não desfrutá-los?


Depois de mais de trinta anos de ausência, ocupando aposentos alheios, enfim vou exercer o direito e a satisfação de brincar de casinha.

Estou com muita vontade de pousar pousadamente em meus próprios aposentos e acarinhá-los, ajeitá-los, organizá-los.

Costurar calmamente os furos do meu pé-de-meia, pregar os botões para que habitem todas as casas das camisas esquecidas nos armários, libertar todos os personagens dos livros que ficaram presos na estante da sala, conhecer e criar outras histórias, revisitar os retratos largados naquela caixa de sapatos e organizá-los num álbum ou num slide show, para que minhas lembranças repousem eternamente em berço esplêndido enquanto eu ainda possa curtir a vida ao som do mar azul e um céu profundo.

E depois de rimar aposentadoria com poesia, ainda quero ter tempo e coragem de me aventurar em novos vôos que me levem a pousar em aposentos completamente desconhecidos. E quando eu cansar desses pousos imprevistos e tiver que fazer um pouso forçado, quero voar de volta ao meu lar e pousar e repousar tranquilamente no aconchego dos meus aposentos, como uma boa e velha aposentada feliz.

Essa não é uma excelente maneira de encarar a aposentadoria? É sim!

Mas, eu ainda vou resgatar outro sinônimo da palavra aposentadoria. É um sinônimo que deveria substituir legalmente a palavra aposentadoria (talvez eu faça uma campanha para mudar esse termo). Vejam lá nos dicionários: Aposentadoria é sinônimo de jubilação. Jubilar significa encher-se de alegria, de contentamento, regozijar. Regozijo significa grande gozo, duplo contentamento, muito prazer. Jubileu é uma indulgência concedida pelo Papa, uma honraria concedida pelas academias, uma festa de aniversário, uma grande comemoração. Jubileu em hebraico significa sons de trombetas. Quem atinge a jubilação, recebe parabéns e não pêsames.

Por isso, deixo aqui meu agradecimento a todos os companheiros de trabalho que contribuíram para que eu chegasse à jubilação com todos os meus membros, órgãos e sentidos inteiros e saudáveis e pudesse conscientemente comemorar e gozar o resto desta vida que é bonita, é bonita e é bonita.

Fiquem bem, perdoem por eu não ter sido genial, por eu não ter sido tão inteligente e forte quanto vocês mereciam que eu fosse e por eu não ter feito nenhum milagre. Apesar de ter herdado o nome de Maria, nunca fui e nem pretendo ser santa.

Muito obrigada, foi uma honra e um privilégio trabalhar com vocês e contem comigo, mesmo que não seja para o trabalho.

Aos amigos da prosa, da poesia, da música, da noite, das viagens e do papo furado, que tiveram paciência para me esperar, deixo um recado: Me aguardem! Estou voltando e não tenho mais hora pra dormir nem pra acordar.

Morcegos amarelos


Poema de Tonicato Miranda
para Marilda Confortin
a poesia quando vem a mim
vem assim
aos poucos
de manso
para mansinho
de um ganso
para o patinho
contornando tocos
desviando dos loucos
ativando meus sentidos
mudando minha cor interior
recuperando dados perdidos

a poesia quando vem a mim
bem assim
vem bailando
de vestido rodado
saia de chita e fitas
pés descalços
amassando o tablado
fandango pulsando
meu coração e o sangue
jorrando em todos os meus rios
arrastando tudo das margens
enchente forte em todas as imagens

a poesia quando vem a mim
aranha vistosa
às vezes lânguida
às vezes cândida
quase sempre cheirosa
mas pode também ser
revolucionária, guerreira
mesmo quando vem de mulher
arrebatando meu olhar e este mar
que há dentro de mim qual concha
abrigando pérolas que desconheço

a poesia quando vem a mim
vem assim
muda meu jeito
açoita meu peito
deixa-me triste ou quieto
passeando por bem perto
quase recolhido, na gruta escondido
eu e meus morcegos amarelos e belos

Tonicato é meu pareceiro de escrita de contos e cartas literárias. Tonicato foi proprietário de uma das mais curitibanas livrarias desta cidade, a Ipê Amarelo. Tonicato é arquiteto de ciclovias. Tonicato é poeta, proseador e um grande amigo.