Poesia no Bosque


Minha poesia foi morar no meio de um bosque, em frente a um lago, num paraíso.


Ah! Esse meu pensamento... 
entra por caminhos que nem sei. 
Viaja sozinho, me abandona, 
deixando meus olhos vazios.
Quando volta, me traz pequenas lembranças:

- Estive na infância e lembrei-me de ti...

Eu e mais 12 escritores curitibanos, recebemos hoje esse belo presente. Trechos de nossas obras foram gravadas em painéis espalhados ao longo da Trilha do Conhecimento, um caminho que adentra o Bosque Irmã Clementina, inaugurado hoje, dia 30 de março, em comemoração ao trecentésimo décimo quinto aniversário de Curitiba.

Adélia Maria Woellner, ao microfone, agradeceu a homenagem em nome de todos os poetas.



Viva a poesia!

Gota a gota


Nasci.


Um profundo poço vazio.
Com cinco filtros perfeitos
e um sexto, que às vezes faz sentido.
 
Através deles,
como se fosse um dreno ao viés,
a vida foi me preenchendo: Gota a gota.

Primeiro, entraram as pedras mais pesadas,
depositadas bem no fundo da infância
e serviram para controlar a umidade da alma
e fixar meus pés na terra.
(Nasci tão leve e líquida, não fosse esse peso,
eu seria um pássaro ou um peixe).

Com o tempo, a vida foi instilando outras peças,
encaixando-as umas sobre as outras,
deixando raros intervalos entre elas.

Por esses vãos,
circulavam rios de sentimentos.

E assim, ela foi fazendo seu trabalho.
Construindo-me.

Habitou-me de amigos, amores, filhos.
Ergueu paredes, dividiu-me,
plantou jardins, porões, sótãos, teias.


Quando me dei conta, estava cheia.
Comecei a escavar-me.

Não importa se o que transborda
desta comporta é bom ou ruim.
Estou purgando:
Gota a gota.

Abrindo espaços dentro de mim.

Poetrix



"Eu quero o silêncio das línguas cansadas..."

Calem-se prolixos!
Quero dormir na paz de Basho
E acordar com o susto de um Poetrix

e brilha a Lua Caolha, por Altair de Oliveira

... E BRILHA A LUA CAOLHA
por Altair de Oliveira

Eu, tu, ele e ela,  nós não podemos perder,  neste dia 14/03/2008 (quinta-feira) a partir das 19hs na Biblioteca Estadual do Paraná,  o lançamento deste delicioso “Lua Caolha” o livro de poetrix da grande poeta curitibana Marilda Confortin.

Quando conheci Marilda, no início do século, recordo-me de como ela fascinou-me de imediato com a sua capacidade de imantar poesia na fala. Arguta, exercia a semiótica com uma habilidade espantosa, tinha sido amante de livros, tinha conhecido Paulo Leminski pessoalmente, tinha por vários anos cometido poemas meio que escondida. Menos um, um tal de “O Largo Esquerdo da Ordem”, que ela declamou ali mesmo. Este, pude verificar depois, trata-se de uma das mais bela declarações de amor que já ouvi dedicada à nossa amada e odiada Curitiba. Como eu, a poeta também viera da roça e trabalhava com tecnologia de ponta e insistia mais de quarenta anos no mundo, redundando, procurando deixas onde deixar sua fala. Trocamos tracadilhos, bonito de ver!
Depois, quando a poeta enviou-me um arquivo com poemas para ler (“Contém quase toda poesia que escrevi até agora, ela disse.), apesar de eu ter gostado menos de um ou outro poema,  pude constatar tratar-se de uma bela poeta. “Curitiba bem que poderia te adotar como a poeta da hora!”, eu lhe disse. “Você escreve melhor que a Helena Kolody!”, acrescentei. Do pódio de sua humildade, a poeta rodou a baiana e disparou: “Você não deve entender mesmo de poesia, seu poeta! Os poemas meus que criticaste são os que as pessoas mais elogiam!  E coitadinhos dos meus versinhos diante dos poemas da mestra!”. Mas mesmo assim, mais calma depois, ela perguntou-me se eu achava seus poemas publicáveis. Rebati que sim e que sim e que sim! Desde então, para alegria de todos nós,  Marilda tem publicado seus livros de poemas e de prosa sempre que possível, e o mundo tem ficado mais bonito por causa deles. Típico de quem sempre precisou batalhar no mundo par sobreviver, a autora escreve pouco e em horários improváveis (em suas luas, vai ver…) mas escreve também contos, crônicas, canções e textos para teatro.
Na época que a conheci, Marilda Confortin já estava em contato com grupos de poetas através da internet onde discutiam e praticavam uma espécie de terceto, (filho bastardo do haicai, como costuma dizer a poeta) e hoje internacionalmente conhecido, que denominavam “poetrix” (Veja o manifesto de número 2 do “Movimento Poetrix” no livro “Lua Caolha” e também o site http://www.movimentopoetrix.com/). 
Quando a poeta me explicou as regras de composição do “Poetrix” eu não me interessei muito, simplesmente para não trair a única regra poética que tento seguir, a de que a poesia não obedece regras. Mas pude degustar alguns “poetrix” que ela tinha ali. Portanto Marilda foi uma das fundadoras deste movimento poético,  participou do setor de desenvolvimento do mesmo, contribuiu para a sua normatização e esteve em alguns países da América Latina divulgando-o, juntamente com a sua poesia e com a poesia de outros autores brasileiros. Já era tempo do livro de poetrix dela reluzir no céu da pátria literária neste instante como uma “Lua Caolha”! E fez bonito.

O LIVRO
Independentemente de realmente conter poemas de 3 versos e com  até 30 sílabas reconhecido como “Poetrix”, o livro “Lua Caolha” contém uma série de pequenas pérolas (POETRIXANDO: Brinco/ de colar/ perolas.) que, advertidamente, irão deixar o leitor de poesia que o ousar, deliciado. A poeta, que também é uma das responsáveis pelo movimento de ressurreição de bibliotecas nas escolas municipais de nossa cidade,  mostra aí que é uma perita em significar espaços mínimos. Este “Lua Caolha” é brilhante,  não subestima o leitor embaçando com um palavreado difícil uma pretensa poesia, ele toca, nele tem como ver poesia! E comover, em arte, é a maior e melhor parte, amigos e inimigos meus!

POEMAS do livro:

A OUTRA

Hoje uva
Amanhã passa
eu vinha.


(GR)ÁVIDA

Pensa que tem
O rei na barriga
        …e tem!


ABSTRATO

Nunca vens nu
Vens sempre envolto em nu
vens.

Altair Oliveira, é poeta com vários livros publicados. 



Poetrix


Dizem que hoje é dia da mulher. Recebi vários poemas e agradeço. Mas o estranho é que a maioria dos textos que recebi, tem como tema a metamorfose. E por coincidência, alguns dias atrás postei um poetrix na internet que falava sobre borboletas. Virou uma avalanche, uma bela ciranda de poetrix. Ficou muito bonita essa coletânea. Vejam:

BORBOLETÁRIO
(Marilda Confortin)


Bateram asas, as palavras.
Crisálida vazia.
Hora de chocar larvas.

************************

CRISÁLIDA
(Andra Valladares)

Doente de amor,
morro lagarta,
renasço borboleta...

**************************

LATENTE
(Regina Lyra)

busco mistério
na extinta casca.
Renovo-me em jardins e praças.

***************************

metamorfose
lílian maial

toquei-te flor
e tuas pétalas
bateram asas

***************************

atração irresistível


pétalas adejam
tremor sutil
lagartas vicejam

*****************************

JARDIM
lílian maial

a borboleta chora
brotam margaridas
onde a lágrima aflora

******************************

metamorfose de palavras
(Hércio Afonso)

nem cálice nem galheta
meus drinques
na sua borboleta

*******************************

Cataclisma
Pedro Cardoso (DF)

o perfume
das pétalas da borboleta
ficou impregnado nas dobras do lençol

**********************************

brincando de borboletar
Hércio Afonso

eu bato asas
ela, crisálida,
sorria primavera

**********************************

Grisalho
(déa)

antes da metamorfose
com a tua lagarta
quero borboletear

**********************************

jardinagem
Jucineia Gonçalves

cultivar orquídeas
seus beijos,
de borboleta

***********************************

Borboleteando

a borboleta abriu as asas
como um raio
mergulhei profundamente

Pedro Cardoso (DF)

****************************

enfim sós

na crisálida vazia
abrigo morno
pra minha poesia

zeh

******************************

CECÍLIA MEIRELES
(Andra Valladares)

Borboleta eterna,
em suas asas,
vôo poético.

******************************

contente
zeh

tua borboleta
minha lagarta
capeta

********************************

E o tempo levou...
Hércio Afonso

foram larvas, latentes
crisalidaram-se até que:
- crepúsculo de borboletas

*********************************

CRISÁLIDE
(Kathleen Lessa)

Longa metamorfose,
Atraso o parto mas saio.
Em nácar borboleteio.

***********************************

ERRO DO CRIADOR!?
(Oswaldo Martins)

Borboleta da largata...
Quantas cores! Que beleza!
Homens? - Servem para a guerra!...

*************************************

Timidez
Jucineia Gonçalves

fora do casulo
batem asas,
meu sorriso e as palavras

*************************************

Borboleta
(Eliana Mora)

minha saudade é assim:
vai contigo pelo mundo
leva na asa_ um jardim.

*************************************

Taturana
déa

queima, é verdade;
mas, com prazer,
ungüenta.

*************************************

A Taturana (ou Mandruvá) veio me visitar.
(Lincoln T.)

Ela me informou
que nossa flor
desabrochou

ETIQUETA Y MODA


Echemos a la basura los corsés que ocultan el vientre,
brasieres de varilla y doble relleno
para levantar las uvas ya caídas,
las pantys reforzadas que disimulan la piel de naranja,
las incómodas y desechables pijamas sexis.

Destruyamos todo aquello que oculte, deforme o engañe.
no tratemos más de ser muñequitas de vitrina fina;
al diablo con las estilizadas piernas de Julia Roberts
con el busto de montañas de cera de Pamela,
o las pestañas postizas de actrices de telenovela,
las cremas ant-iarrugas,
anti-envejecimiento
anti-vida.

Al carajo con todo tipo de joyas que nos aten
sobre todo anillos de compromiso,
relicarios con fotos añejas,
medallones con iniciales de nombres propios.

Muera todo aquello que signifique propiedad de otro,
la inseguridad de estar solas,
el miedo a ser nosotras mismas.

Lina Zerón
México

PERGUNTA ANIMAL

Se amor que late não morde,
Porque este poema
Se sente no mato sem cachorro?

Sérgio Edvaldo Alves, 30/01/2008

Borboletário



As palavras criaram asas
Crisálida deserta
Hora de chocar larvas

(minha releitura do poetrix da Ana e do Zeh)

Poetrix

women_and_a_pierrot Emil Nolde


Carnaval

Cansei das fantasias
todas iguais...
Prefiro
retiro carnal.



Procura-se sono perdido


Por acaso deixei meu sono aí na tua casa?
Procure-o em cima da cama,
no tapete da sala,
no cesto de roupa...
Não consigo encontrá-lo.
Acho que o perdi
em algum lugar do teu corpo
quando ali (de)morei.

Ou o escondestes na tua boca
para que eu continuasse
procurando por teus beijos?


NO CAMINHO COM MARILDA CONFORTIN

Entrevista concedida à Bárbara Lia

BÁRBARA: Em entrevista a Lina Zeron você contou do teu tio que declamava poesias de Olavo Bilac prá você dormir. Um ponto em comum entre nós duas. Eu cresci ouvindo meu pai falando poesia a plenos pulmões já no café da manhã. Em um tempo que vivi na casa da minha avó ela também recitava épicos e era um tanto tétrico: Vovó recita “O corvo”. Sala na penumbra. TicTac. Arrepios.
Lendo tua entrevista fiquei tocada com a conclusão tua sobre – quem é poeta - pode narrar esta descoberta outra vez?

MARILDA: Ainda bem que eu não conheci o Poe na infância, Bárbara. Tive um urubu de estimação....Pois é, eu me descobri poeta muito cedo. Antes mesmo de saber ler e escrever. Nasci na roça, em casa, de parto natural, como nasceram os meus 11 irmãos mais velhos e todos os bichinhos que nascem e crescem distraidamente no mato. Fui a décima primeira da ninhada. Quando eu tinha menos de dois anos, nasceu mais um irmão, o Claudinho. Ele tinha síndrome de Down e fomos criados juntos. Como ele não sabia falar, inventamos uma linguagem própria. Nos comunicávamos através dos sons da natureza, dos animais e das aves. Entendíamos perfeitamente a linguagem das nuvens, dos raios, dos trovões, da chuva, do silêncio, do dia e da noite. Sabíamos traduzir a letra da música que os galos cantavam, entendíamos o que nossos cachorros queriam dizer com seus latidos diferentes para cada situação, conhecíamos os bichos venenosos e não venenosos pelo cheiro e pela cor, as abelhas e passarinhos nos contavam quais as frutas que podíamos comer, as borboletas nos ensinavam as estações do ano, o caminho das flores e a direção do vento, enfim, não precisávamos de palavras nem escola. Daí um dia meu irmãozinho morreu e eu virei a caçulinha da família. Talvez por saudades do Claudinho, ou por não ter mais um bebê em casa, todos resolveram me dar colo, me mimar, me ninar. Só que eu não compreendia ninguém e ninguém percebeu o que tinha acontecido. Me tranquei num mundinho meio autista até que um dia, o tio Renato, veio nos visitar e resolveu me fazer dormir recitando aquela poesia assim: “Ora (direis) ouvir estrelas...“ É claro que em vez de dormir eu acordei e desatei a perguntar. “ Tio, você e o tal do Olavo também entendem a língua das estrelas? E a conversa dos raios com os trovões? E dos cachorros? E dos passarinhos? E das cachoeirinhas? Então vocês também são mongolóides como eu e o Claudinho?” Daí, ele me disse uma coisa que nunca mais esqueci e que me tirou do silêncio para sempre. Disse-me que eu não era doente. Que eu só era poeta, assim como ele, Olavo Bilac, Castro Alves e muitos outros anônimos que sabiam falar uma língua diferente, chamada poesia e que eu devia ir prá escola, aprender a ler e escrever para traduzir no idioma dos homens aquelas coisas que a natureza me contava. Confesso que até hoje estou tentando aprender essa maledeta língua dos homens. Prefiro a linguagem da poesia, no seu estado bruto, antes de ser transcrita para um idioma. A palavra deforma o sentimento. 
Marilda, criança, poeta em estado bruto


BÁRBARA:Você integra o Movimento Internacional Poetrix. O que diferencia Poetrix e Haicai?
MARILDA: O haicai existe há séculos. É um terceto de origem oriental, sem título, composto de 17 sílabas, distribuídas em três versos de 5, 7 e 5 sílabas métricas, ou melhor, onji (sons) e tem como característica, identificar o kigo (estação do ano em que foi escrito). É como uma senha, uma fotografia de uma paisagem num tempo fugaz num lugar específico. É como se você enviasse para o leitor o endereço de onde você está, contando o que está acontecendo naquele exato momento. É lindo. É zen.
Poetrix é um terceto também. Vem de poe = poesia e trix = três. Foi batizado com esse nome por volta do no ano 2000 pelo poeta baiano Goulart Gomes. Portanto, diferente do haicai, o poetrix é brasileiríssimo e atualíssimo. Sua definição é “Terceto contemporâneo de temática livre, com título, ritmo e um máximo de trinta sílabas, possuindo figuras de linguagem, de pensamento, tropos ou teor satírico.” No poetrix, os tempos passado, presente e futuro podem ser usados sem distinção. O Poetrix é minimalista, ou seja, deve dizer o máximo com o mínimo de palavras. Como disse Goulart Gomes na apresentação do meu livro, fazer poetrix é plantar girassóis em cabeça de alfinetes.
Gosto de dizer que o Poetrix é o filho bastardo do haicai. Tudo o que o haicai originalmente não permite, o poetrix admite, incentiva e valoriza: título, metáfora, ironia, humor, estrangeirismo, intertextualidade, erotismo, crítica, interação escritor/leitor, non sense... Muita gente pensa que escreve haicai, quando na verdade escreve poetrix. O contrário também é verdadeiro. E tem muita gente que escreve tercetos que não são nem haicais nem poetrix... tudo bem, o que importa é sentir a poesia, tudo mais são regras que só servem para instigar os poetas a quebrá-las. Eu gosto muito de haicai, mas, tenho mais facilidade e prazer em escrever Poetrix.

BÁRBARA: Conte sobre sua participação em eventos internacionais de Poesia. No México, em 2.003 e no III Festival Internacional de poesia em Granada, em 2.007, na Nicarágua. Como surgiram os convites, o que isto acrescentou à sua poesia.

MARILDA: Nossa! Essa pergunta tem muitas respostas. Difícil resumir. Acho que você vai ter que cortar alguma coisa para não ficar tão extensa. Participar de festivais de poesia pelo mundo é bárbaro, Bárbara. Nesses dois que você citou, eu tive o privilégio de ir como convidada, representando o Brasil.
O convite para o México, foi uma conspiração do universo a meu favor. Eu fui receber um prêmio em Brasília, por uma crônica que ficou em primeiro lugar num concurso internacional chamado Mujeres, mariposas sin capullo e minha “performance feminista” no palco, foi assistida, sem eu saber, pela poeta e jornalista Lina Zerón, uma das organizadoras do X Festival Internacional de Mujeres Poetas en el país de las nubles (Oaxaca). Para surpresa geral, dois meses depois, recebi um convite oficial para representar as poetas brasileiras no México. Lá ficamos hospedadas em casa de famílias de origem mixteca, asteca, maia e trocamos experiências sobre nossas culturas, literatura, arte, culinária, etc. Durante 20 dias, viajamos de um estado a outro, de uma cidade a outra, recitando e falando sobre a poesia de nossos respectivos países, em escolas, universidades, teatros, museus, igreja e praças. Uma maratona. Era uma torre de Babel. Cada uma das 70 poetas falando e recitando em seu próprio idioma, para que a população sentisse a musicalidade, o ritmo e a alma poética do mundo. O encerramento foi no magnífico Palácio de Bellas Artes, todo decorado com pinturas de Diego Riveira e Orozco entre outros imortais. Um luxo. De curioso, no México aprendi a comer gafanhoto e gusano (aquele vermezinho que colocam na tequila). Beber tequila, foi conseqüência de comer gusanos... rs.
Depois disso, caí numa teia virtual de poetas que promovem e participam de Encontros e Festivais Internacionais de Poesia. Choviam convites. 
Para o Festival de Granada, fomos convidados Thiago de Melo e eu. Thiago, é um ícone, o poeta brasileiro mais lido por lá, amigo pessoal e tradutor de Ernesto Cardenal.  
Na Nicarágua, o que mais me impressionou além dos inúmeros vulcões ativos e inativos, foi o carnaval poético pelas ruas de Granada. A cidade literalmente pára para ouvir poesia. Durante o Festival, em cada esquina, um poeta sobe no “poeta móvel”, apresenta seu país e recita poesias. E depois, se mistura com as pessoas na rua e dá-lhe música, dança, rum flor de caña de manhã até a madrugada. 
Beber um vinho com o poeta e monge Ernesto Cardenal, ouvir seu poema Oración por Marilyn Monroe, a história dos movimentos sandinistas pela paz e sua participação na revolução armada contra a ditadura de Somoza, é um capítulo a parte na minha vida. Impagável. 

Eu, bebendo vinho com Padre Ernesto Cardenal

Os convites para esses festivais funcionam assim: Um poeta de algum país te indica, outros de outros países endossam, a organização cultural do país promotor sai captando recursos na iniciativa privada para bancar as despesas de viagem dos poetas convidados, a população se inscreve para hospedar os poetas estrangeiros que não tem grana para pagar hospedagem e alimentação e tudo isso em troca de recitais, palestras e oficinas gratuitas abertas ao público. É um intercâmbio cultural. Pena que no Brasil, o governo, ongs, iniciativa privada e os próprios poetas e artistas não se unam para promover festivais desta natrureza.

"O que isto acrescentou à sua poesia?” Ai cazzilda, Bárbara! Acrescenta muito! Esses festivais, me confirmam que a poesia é uma linguagem de alcance universal, sem fronteira alguma. E que quanto mais simples (simples, e não simplista), melhor é a poesia. Melhor para traduzir, melhor para recitar, as pessoas se identificam com maior facilidade. E que quanto menos “estrela” você for, mais estrelas vão aparecer para iluminar teus caminhos. 

BÁRBARA: Meu amigo, o poeta Márcio Claudino, realizou um estudo sobre a poesia curitibana atual e a separou em duas tendências: “Poesia de Expressão Vital” e “Poesia de Composição Onírica” . Ele me colocou ao lado dos poetas oníricos, mas, um belo dia me confessou que algumas poesias minhas tem este lado visceral. Expressão crua da vida. Como leitora, qual o poeta que é sua paixão maior? Ou poetas, ou escritores? Os líricos te seduzem? Eu sou lírica e amo ler os escritores viscerais - Fante, Miller, entre outros...

MARILDA: Acho que todo o poeta é um sonhador. Sendo assim, acho que toda a poesia é onírica no sentido literal da palavra. Mas nem todo o sonho é maravilhoso. Eu tenho pesadelos terríveis, principalmente acordada... rss. Concordo com o Márcio. Você tem um lado visceral, principalmente quando o poema tende para o erótico. E tua presença me passa uma imagem muito realista, marcante, contrastante com as metáforas oníricas da tua poesia. Mas, eu AMO teus contrastes...
Pois é, tenho minhas recaídas, graças a Deus, mas os líricos não me seduzem muito, não. Meu lirismo ficou lá na infância, enterrado com meu irmão e com Bilac. Espero ressuscitá-lo algum dia, mas, como diz nosso amigo Paulo Matos, do Epopéia: “o duro da vida, é que ela nos endurece”. Não freqüentei nem me enquadrei em nenhuma escola literária. Fui pro pau! Peleio com a vida e com a palavra meio no grito, na defensiva, no instinto, sem embasamento teórico, na hora e no tom que elas me provocaram. É um toma-lá-dá-cá. Sei que, por conta da minha figura minguada e do carma dos olhos azuis, os curitibanos esperam que eu declame poemas brandos, à la mestra Helena Kolody, mas, para decepção dessa cidade, eu me identifico mais com as malditas pauladas do Leminski e do Thadeu.
Qual foi a pergunta mesmo? Ah, os poetas que gosto... vixi, pra ser po(ética)mente correta eu teria que citar os mortos prá não ferir os vivos, né? Pulo essa, Bárbara.

BÁRBARA: A peça “ Portas Entreabertas” com Danilo Avelleda e Adriana Sottomaior, apresentou textos de Helena Sut e Danilo Avelleda e poemas teus. Como foi esta experiência – escrever uma peça teatral? Planos futuros para os palcos?
MARILDA: Foi uma experiência meio doida. Eu tinha que escrever os poemas que seriam interpretados pelo Danilo. Tive que incorporar o personagem Dionísio, um homem, um poeta passional. Ser um Dionísio dividido entre a paixão por Pilar e Alma. E tive que me entranhar no útero introvertido da Helena Sut para entender o enredo dramático, intimista e cheio de palavras sangrentas da peça. A Helena é phoda. Ela já tinha experiência em texto teatral. Eu nunca tinha escrito para teatro e nem composto poesia como se eu fosse um homem. Por mais que se diga que não há diferença entre a poesia feminina e masculina, a verdade é que nossa escrita tem uma boa carga de experiências de vida, de cultura sexista, valores morais e sociais diferentes. Não assisti nenhum ensaio. Na estréia da peça, me assustei ao ouvir alguns textos meus na voz do Danilo. Fiquei mais a vontade quando falados pela Pilar e Alma... Depois acostumei e quase não percebia mais a diferença entre o que eu escrevi e o que a Helena escreveu. Danilo, Adriana e Raquel são atores porretas. A direção do Rogério Bozza foi perfeita. Mas, vamos ser honestos: Eles foram corajosos, né? Uma peça dramática, poética, intimista, competindo com comédias em todos os teatros de Curitiba...Só por amor a arte, mesmo.
Sim, pretendo escrever mais para o teatro, mas preciso liberar tempo para pesquisar, fazer um curso de atriz, aprender as manhas teatrais... Helena e eu temos algumas idéias de peça teatral para o futuro... quem viver, verá. 

Bárbara Lia,  professora de história, escritora com vários livros publicados. 
Site:    http://chaparaasborboletas.blogspot.com

sem cigarro, sou intragável - para Bia de Luna

"sem cigarro, sou intragável" - Bia de Luna



BIA
be
bia
e
comia
poesia
e
traga
va
rios

trazia
a
braços
crivados
de
ar
ame
farpado
debaixo
das
unhas.
Vá, Bia...
Vá.
Me espere
lá.

Palavra de mulher

PALAVRA DE MULHER - POR ANITA FERNANDES

E chegou então a esperada noite, preta como a roupa que eu vestia. Encontrei Helena, de preto e verniz, que apertava o roteiro branco com as mãos de unhas escuras. Entramos no conhecido porão, cenário de tantas noites bem vividas e mal dormidas, agora com sua pista coberta por mesas. A iluminação ora colorida estava sugestiva, permeada pro vermelho e velas.

Marilda já estava acomodada em uma mesa perto do palco. Loira, clara, concreta. Logo veio o vinho e meus sentidos já se entregaram à taça tinta, entre goles e risadas fui esquecendo o que significava o caderno colorido cheio de papéis na mesa a minha frente, onde eu havia acomodado o roteiro da noite.

O lugar, então cheio de ruídos e risadas, calou-se quando Brenda anunciou que era hora das mulheres darem sua palavra. Helena e Marilda subiram ao palco e suas palavras começaram a deslizar pela noite. Helena me chama e de súbito meu estômago lembra o que estávamos fazendo ali.

Do palco, vi uma porção de rostos bem definidos, que logo se tornaram um borrão cor de carne. Senti a firmeza das pernas abandonar-me e amaldiçoei o vinho, a minha memória, a minha pele branca que denunciava o rubro. Disse as belas palavras de Helena que trazia anotadas no caderno, sentindo cada uma passar vagarosamente pelos meus lábios, quase com vontade de mordê-las. Pela minha cabeça rodavam imagens, inquietações, palavras. 

Em 30 segundos acabei a fala de 5 horas. Sorri firme, como se estivesse andando sobre a água e abandonei o palco com todas as suas luzes inquisitivas.

Sentei atordoada e apanhei minha taça de vinho, bendizendo a bebida que era quase uma carícia para meu corpo rígido. Entreguei-me às palavras de Marilda e Helena, que continuavam a destilar suas almas pela platéia. Helena era uma interrogação desenhada em nanquim, Marilda era uma exclamação vermelha em letra de imprensa.

Voltei ao palco para falar da natureza morta, sorrindo para as poetas que estavam ao meu lado, um tanto quanto mais firme. Mas não conseguia soltar o caderno, meus olhos estavam presos às palavras impressas. Lendo, não pude fazer outra coisa a não ser passar o olhar rapidamente pelos presentes, enquanto contava a triste saga do pássaro e sua gaiola. Era eu aquele pássaro.

Segurei o cigarro entre os dedos trêmulos e voltei ao meu lugar, para depois voltar ao palco pela terceira vez. Dividi o microfone com Helena e foi olhando para ela que descobri o quanto fazia sentido a história que contávamos. Lembrei das fachadas antigas desta cidade, das janelas que parecem olhos observando as ruas, de todos os quintais que deixei para trás nas minhas mudanças. Como personagem, migrei para minha mesa para ver a palavra final das mulheres. Sopravam pétalas e cuspiam espinhos sob aplausos extasiados.

A noite prosseguiu com seus muitos amantes ao microfone, ora sussurrando vida ora gritando morte. Tem palavra divina, palavra bíblica, palavra de escoteiro, palavra de honra, palavra de lingüista, mas dou minha palavra de mulher que vi os sentimentos mais humanos em todos os olhares que nos cercavam. Todo o lugar era então uma vitrine do abstrato, em cada par de olhos eu via os sentimentos clássicos, os comuns, os indecifráveis. Tropecei nas palavras e caí na risada, bebi vinho e senti na boca um gosto de vida crua.

Quando saímos para o vento gélido da madrugada, o comentário: “E não tiramos nem uma foto, hein?” “Tiramos agora?” Ah! Agora, que meu olhar virou um borrão e meus dentes estão tintos? Agora, que estou com esses olhos delatores? Agora, que não posso mais nem dizer xis? Giz!

(Marilda Confortin e Helena Sut percorrem os labirintos da alma feminina e se encontram num espelho de palavras. Palavra de Mulher foi apresentado no Porão Loquax - Wonka - no dia 16 de outubro.)