EMERGÊNCIA DENTÁRIA - por José Marins


Voltei ao dentista no mesmo dia. Avisei a secretária que iria no final da tarde. Só tenho horário para daqui 20 dias – insistiu.
Trata-se de uma emergência – pedi.
De pé na sala de espera, só retirava a mão da boca para repetir: isso não  podia ter acontecido. Espanto e curiosidade nos olhares. Quando saiu o último cliente, pulei para dentro do consultório.
 – O que houve? –  perguntou o dentista.
 – Perdi meu assovio!
 – Podemos procurar, aviso à faxineira. Como era?
 Sentei na cadeira.
 – Perdi-o com a restauração!
 – Como assim?
 – Não consigo assoviar depois disso. Era de estimação...
 Ele riu, eu fiz cara de sério.
 – Como vou me comunicar com o meu canário? Eram uns dez tipos de
afinações.
O dentista girou a primeira lixa, a segunda, a broquinha de alta rotação.  Eu tentava assoviar a cada tentativa, nada. Dispensou a secretária com  voz irritada sob a máscara. Pedi calma, a coisa podia piorar.
Mexeu, remexeu e os dentes (esses da frente que gente normal usa pra sorrir) não voltavam ao padrão anterior. Vieram silvos mixos, nada de agudos silvestres.
Finalmente ele disse: Por que não me avisou? É tudo o que posso fazer. Só recuperei um ou outro trinado de aborrecer tico-tico.
Perdeu o cliente.
Uma dentada num churrasco levou as resinas.
Achei um doutor em dentística com boas indicações.
 – O senhor restaura assovios? – perguntei ao senhor de óculos foscos.

José Marins

A pedrada do amor, por Tonicato Miranda

A pedrada do amor
para a mulher manada

que tal um passeio
neste final de tarde
pode vir, o Sol já não arde
eu sei, sua pele é branca
a minha segue morena
que tal um sorvete
na lanchonete da esquina
experimenta o de pistache
deixa eu pago quebrei a banca
a sorte não é mais pequena
que tal um beijo doce depois
pode melar o rosto ou parte
dele pode ser no canto da boca
tenho no bolso um lenço de seda
mas prefiro guardar a umidade
que tal sorrir estas pestanas
um banco para sentar a la carte
passos estranhos a desfilar e a louca
passando ali sem roupa, a bêbada
pernas a remexer com e sem alarde
que tal depois um silêncio
sua mão sobre a minha com arte
a brisa tremendo sua voz rouca
meus ais prisioneiros como pedra
doida por se atirar nesta tarde
Tonicato Miranda

Poesia Gota a gota Marilda Confortin

GOTA A GOTA

Nasci.
Era um poço raso, vazio;
com cinco filtros perfeitos
e um sexto,
que às vezes fazia sentido.

Através deles,
como um dreno ao viés,
a vida me foi preenchendo: gota a gota.

Primeiro, assentou pedras, as mais pesadas,
depositadas bem no fundo da infância.
Serviram para controlar a umidade da alma
e fixar meus pés no chão.

(Nasci tão leve e líquida. Não fosse esse peso,
eu seria um pássaro ou um peixe.)

Depois, a vida pregou-me outras peças.
Encaixou-as umas sobre as outras,
deixando raros intervalos entre elas.
Por esses vãos,
circularam rios de sentimentos.

E assim,  foi fazendo seu trabalho.
Construindo-me.
Habitou-me de amigos, amores, filhos.
Ergueu paredes, dividiu-me.
Plantou jardins, porões, sótãos, teias.
Quando percebi, estava cheia.

Comecei a escavar-me.
Estou quase no  fim.
Purgando: gota a gota
Abrindo espaços dentro de mim.

(marilda confortin)

Livro de poesias Busca

Ao ler meu livro de poesias "Busca e apreensão", o poeta Vilmar Daufemback, escreveu esse poema:


Reabro aqui minha adega
Na távola, Busca e Apreensão,
Com um tinto que me rega
E me entrega à prisão.


Prisão dos versos que leio
Onde eterno eu me condeno
A devorá-los sem freio
E deles me apequeno.


Da tua cepa sou mosto
Vinagre de acriazedume,
Sou casta de cheiro betume
Colhida em fim de agosto.


Levanto a ti minha taça
Santè! - desejo pra ti
Da minha adega que escassa
Versos como esses que li.

Vilmar Daufemback





Emocionada aqui, Vilmar. Muito obrigada

O país das mulheres, Gioconda Belli



Gioconda Belli, escritora nicaraguense que tive o prazer de conhecer pessoalmente no Festival de Poesias de Granada, fundou o  PIE - Partido de la Izquierda Erótica. Eu me filiei. 😍


Tem até Manifesto. Clique para no link para ler  Manifesto PIE

Mulheres do mundo inteiro apoiaram. 
Gioconda foi mais adiante. Criou o País das Mulheres. 
Estou me mudando pra lá. Leiam o livro. É sensacional! 

 


Anfíbias

a contracorriente entre el agua y la tierra
mucho tiempo ya nos ocultamos
en las grutas quietas
de la domesticidad y el silencio
Pero aún con el agua al cuello
no nos ahogamos.
Ahora venimos a la vida con el desafío
y la desobediencia en la boca
Rechazamos los mandamientos
con que en nombre del amor y el parto nos sometieron.
Ahora nos alzamos con caballitos de mar en las manos
Cantando y vociferando
Deshaciendo gozosas
el muro que alzaron para separarnos.
Cantemos hermanas
No paremos de cantar
Las sirenas han recuperado las piernas.
Andaremos, andaremos, andaremos
Lavaremos el mundo
con nuestra agua viva
para sanarlo
para que sobrevivamos.

(Gioconda Belli)


Nosso Canto - Nova parceria com Eliane Bastos

Nesta entrevista, Eliane Bastos conta sua trajetória musical como intérprete e mostra pela primeira seu trabalho autoral. Estou muito orgulhosa porque uma das músicas tem parceria comigo. 


Nosso canto
(Eliane Bastos e Marilda Confortin)

Eu quero um canto meu
um canto só onde só caiba eu.

Um canto puro,
ensolarado, seguro
pra guardar meus valores
ideais e amores
antes que eu os negue
que me invadam,
roubem-
me
ceguem-
me
calem
me
reste nada

Eu quero um canto em mim
em si
bemol
ou lá
em sol
um canto só
pra guardar o dó
de nós
dois 

OUÇA A MÚSICA 



BARREADO CULTURAL DO FAROL DAS CIDADES


Isso nunca tinha acontecido comigo. Fui buscar uma receita de barreado na internet, e não há de ver que encontrei uma, onde eu sou um dos ingredientes...! 


Gostei.  Que (a)gente criativa essa da Biblioteca Farol das Cidades!

  
INGREDIENTES:


 - 1kg de bom humor diário de Paulo Leminski .
 - Um punhado (bem caprichado) de amigos do coração com Dalton Trevisan.
 - Um punhado de pétalas de rosas brancas, amarelas e vermelhas para Helena Kolody.
 - 1kg de perseverança de Emilio de Menezes.
 - Uma colher de sopa de estrelas (colhidas na hora) por Marilda Confortin.
 - 3 kg de paciência de Emiliano Perneta.
 - Uma colher de sopa de brilho do sol colhidos por Alice Ruiz.
 - Essência de Cristóvão Tezza.
 - 1 pitada de Domingos Pellegrini.


MODO DE FAZER:


Coloque todos os ingredientes num recipiente de barro.
Misture tudo com muito carinho, bem devagar e deixe curtindo uma noite inteirinha.
Pegue a colher de madeira e retire um a um, saboreando cada palavra.
Degustando cada verso, saciando a alma de poesias.
Bom Apetite!
Muito obrigada, professoras!

Ebook Contrición

Ebook Contrición

Español 



Livro de poesias no formato eletrônico, com 38 páginas, reunindo alguns dos meus poemas traduzidos para o espanhol.





Sei-os

... ainda no espírito da poesia erótica, Tonicato enviou-me alguns poemas para publicar no Blog. Escolhi este porque combina com a pintura de  Maria Madalena, de Tiziano que acho muito bonita.
Madalena - Tiziano 1530-1535


SEI-OS

Tonicato Miranda

Existem seios iguais a botões
novos brotos desabrochando
pequenas colinas em elevação
Existem seios que são melões
pesados, inchados, apetitosos
jamais se contêm nos soutiens
Existem seios quase decoração
tamanho certo, forma perfeita
a eles bastam simples combinação
Existem seios muito murchos
cansados de bocas e choros
inibem garruchas, esvaziam cartuchos
Existem seios que são abacates
verdes e rígidos, muito arrebitados
espetam o tesão de pobres mascates
Existem seios qual doces cerejas
pequenos como pingos de amor
cantado em bares e no calor das cervejas


Pro Par Oxítono


... claro que vou. E pra combinar com esse tema, deixo um poema ímpar, que escrevi para meu par. Independente das mudanças ortográficas e climáticas da vida, ele sempre terá seu acento gráfico cativo em meu coração.

Pro Par Oxítono

Inóspito,
responde ríspido
à minha presença abrupta
sobre sua tela plana
e impávido desconecta
rápido como relâmpago.

Erótico,
passeia de helicóptero
entre minhas pernas trêmulas
derrete minha máscara
de lantejoulas pretas
e me ama incandescente
sobre o piso de mármore
de um hotel barato.

Artístico,
tatua em minhas costas
a capa do próximo livro,
capta meus sentimentos
com olhares fotográficos
e me deixa atônita
com seus rabiscos mágicos.

Cândido,
acolhe-me lírico
em seu crisálido peito,
sussurra blandícias,
bucólicos hinos,
e me nina angélico,
o diabólico menino.
 

Poesia Sonidos

Sonidos de nascimento e morte


Entrei numa fase muito sensível.
Sinto muito. 
Muito mais que expresso.

Parece sem sentido, mas,
inícios e fins têm o mesmo ruído.

Fecho os olhos.
Recém nasci.
Menina.
Minha mãe me nina.

Primeiros sons:
O coração dela batendo
no mesmo compasso da velha cadeira de balanço.
(uma perna mais gasta que a outra)
 
Tum-tuum, Tum-tuum, Tum-tuum...


(marilda confortin)